Cultura

Uma Nova Traviata

A ópera, com regência de Abel Rocha e direção cênica de Daniele Abbado, estreou na quinta 22, no Theatro Municipal de SP

Violetta, a heroína, parece morta antes mesmo do drama de fato se iniciar
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Por Alexandre Freitas

 

As primeiras notas da orquestra em La Traviata contêm a essência de toda a trama. O maestro e cada um dos músicos sabem disso. Algo de lúgubre e sombrio preenche o teatro e convoca o silêncio do inquieto público na estreia daquela que está entre as mais populares das óperas. O palco reflete o que se ouve. Violetta, a heroína, parece morta antes mesmo do drama de fato se iniciar.

A ópera estreou na última quinta-feira, dia 22 de março, no Theatro Municipal de São Paulo, com direção musical e regência de Abel Rocha e direção cênica de Daniele Abbado. Serão onze representações até 11 de abril, alternando três elencos principais, que incluem Violetta, Alfredo e Giorgio Germont.

Consciente dos riscos que corria, o diretor cênico – filho do célebre maestro Claudio Abbado – quis fazer da ópera teatro. Daniele Abbado deve concordar com o que dizia o inglês Peter Brook: “Eu posso pegar qualquer espaço vazio e chamar de palco. Alguém cruza esse espaço enquanto um outro o observa, e isso é o bastante para que o ato teatral se inicie.” Aliás, trata-se de encenar Verdi, compositor para quem concisão e teatralidade estão intimamente ajustados com toda a parte musical.

O primeiro aspecto a chamar atenção nesta montagem é a existência de uma simetria cênica. Desolação e morte estão presentes nos dois extremos da ópera. O desejo do diretor de transformar a representação em um grande ritual de sacrifício se impõe de imediato. O espaço cênico é uma caixa preta e a economia do cenário e dos figurinos devem fazer com que nossa atenção se volte com mais vigor para o movimento e a expressão dos cantores-atores.

A Violetta da noite foi Irina Dubrovskaya, soprano de voz leve e clara. O papel principal, como se sabe, impõe uma série de desafios. O maior deles deve ser o de conseguir agradar aos nossos ouvidos, tão viciados pelas grandes divas que se impuseram na história da ópera. Além disso, cada um tem sua Violetta imaginária, que contém diversas gradações de sensualidade, juventude, vulgaridade, nobreza, frivolidade, etc. E muitos desses modelos devem provir da marca que as grandes intérpretes foram deixando ao longo dos mais de 150 anos de La Traviata. A conexão entre o drama e a música é impressionante. As firulas vocais, coloraturas, são abundantes no primeiro ato e vão se reduzindo gradativamente, na medida em que a morte vai se aproximando, até chegar a uma simples linha melódica, que é na verdade a música da fala (“Cessaram os espasmos dolorosos! Renasce em mim e se agita um insólito vigor! Ah, torno a viver, oh, alegria!”). A leveza da voz de Irina, somada à leveza de seus gestos, aliviava, de certa forma, a atmosfera global um pouco opressora e parecia destoar da atuação dos outros personagens, menos relaxados cenicamente. Não que isso tenha gerado incômodo.

O papel de Alfredo Germont foi interpretado pelo tenor Roberto de Biasio. Como em boa parte das óperas em que existe uma brilhante protagonista feminina, não é fácil produzir um personagem sólido e que estabeleça um vínculo interessante com o público. Os homens, nestes casos, tendem a se tornar meio chatos e pouco sagazes (Don José e Tamino são bons exemplos disso). O Alfredo, por Biasio, deixa a impressão de ter escapado dessa vocação natural do personagem. Certa fragilidade cênica somada a uma voz doce repleta de intenções musicais sutis acabou por conferir ao personagem algo de cativante, que fugia à tendência do Alfredo obstinado e burro, que tenta se impor sem cessar. O mais consagrado e experiente cantor da noite foi o barítono Paolo Coni, como Giorgio Germont, cuja brilhante intervenção foi decisiva em um segundo ato que tendia a ser menos claro e convincente cenicamente.

Adriana Queiroz e Rosana Lamosa vão se alternar nos papéis principais das próximas apresentações da ópera. Cada nova Violetta, Alfredo e Giorgo Germont certamente vai dar cores novas e imprimir suas próprias marcas cênicas e musicais na La Traviata de Abbado e Rocha.

Além de La Traviata de Daniele Abbado, a temporada lírica de 2012 do Theatro Municipal de São Paulo inclui outras montagens ousadas, como Idomeneo de Mozart, Violanta de Erich Korngold, Uma Tragédia Florentina de Alexander von Zemlinsky e, sobretudo, Macbeth de Verdi dirigido pelo renomado Robert Wilson.

 

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Por Alexandre Freitas

 

As primeiras notas da orquestra em La Traviata contêm a essência de toda a trama. O maestro e cada um dos músicos sabem disso. Algo de lúgubre e sombrio preenche o teatro e convoca o silêncio do inquieto público na estreia daquela que está entre as mais populares das óperas. O palco reflete o que se ouve. Violetta, a heroína, parece morta antes mesmo do drama de fato se iniciar.

A ópera estreou na última quinta-feira, dia 22 de março, no Theatro Municipal de São Paulo, com direção musical e regência de Abel Rocha e direção cênica de Daniele Abbado. Serão onze representações até 11 de abril, alternando três elencos principais, que incluem Violetta, Alfredo e Giorgio Germont.

Consciente dos riscos que corria, o diretor cênico – filho do célebre maestro Claudio Abbado – quis fazer da ópera teatro. Daniele Abbado deve concordar com o que dizia o inglês Peter Brook: “Eu posso pegar qualquer espaço vazio e chamar de palco. Alguém cruza esse espaço enquanto um outro o observa, e isso é o bastante para que o ato teatral se inicie.” Aliás, trata-se de encenar Verdi, compositor para quem concisão e teatralidade estão intimamente ajustados com toda a parte musical.

O primeiro aspecto a chamar atenção nesta montagem é a existência de uma simetria cênica. Desolação e morte estão presentes nos dois extremos da ópera. O desejo do diretor de transformar a representação em um grande ritual de sacrifício se impõe de imediato. O espaço cênico é uma caixa preta e a economia do cenário e dos figurinos devem fazer com que nossa atenção se volte com mais vigor para o movimento e a expressão dos cantores-atores.

A Violetta da noite foi Irina Dubrovskaya, soprano de voz leve e clara. O papel principal, como se sabe, impõe uma série de desafios. O maior deles deve ser o de conseguir agradar aos nossos ouvidos, tão viciados pelas grandes divas que se impuseram na história da ópera. Além disso, cada um tem sua Violetta imaginária, que contém diversas gradações de sensualidade, juventude, vulgaridade, nobreza, frivolidade, etc. E muitos desses modelos devem provir da marca que as grandes intérpretes foram deixando ao longo dos mais de 150 anos de La Traviata. A conexão entre o drama e a música é impressionante. As firulas vocais, coloraturas, são abundantes no primeiro ato e vão se reduzindo gradativamente, na medida em que a morte vai se aproximando, até chegar a uma simples linha melódica, que é na verdade a música da fala (“Cessaram os espasmos dolorosos! Renasce em mim e se agita um insólito vigor! Ah, torno a viver, oh, alegria!”). A leveza da voz de Irina, somada à leveza de seus gestos, aliviava, de certa forma, a atmosfera global um pouco opressora e parecia destoar da atuação dos outros personagens, menos relaxados cenicamente. Não que isso tenha gerado incômodo.

O papel de Alfredo Germont foi interpretado pelo tenor Roberto de Biasio. Como em boa parte das óperas em que existe uma brilhante protagonista feminina, não é fácil produzir um personagem sólido e que estabeleça um vínculo interessante com o público. Os homens, nestes casos, tendem a se tornar meio chatos e pouco sagazes (Don José e Tamino são bons exemplos disso). O Alfredo, por Biasio, deixa a impressão de ter escapado dessa vocação natural do personagem. Certa fragilidade cênica somada a uma voz doce repleta de intenções musicais sutis acabou por conferir ao personagem algo de cativante, que fugia à tendência do Alfredo obstinado e burro, que tenta se impor sem cessar. O mais consagrado e experiente cantor da noite foi o barítono Paolo Coni, como Giorgio Germont, cuja brilhante intervenção foi decisiva em um segundo ato que tendia a ser menos claro e convincente cenicamente.

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Além de La Traviata de Daniele Abbado, a temporada lírica de 2012 do Theatro Municipal de São Paulo inclui outras montagens ousadas, como Idomeneo de Mozart, Violanta de Erich Korngold, Uma Tragédia Florentina de Alexander von Zemlinsky e, sobretudo, Macbeth de Verdi dirigido pelo renomado Robert Wilson.

 

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