Cultura
Uma façanha nada desprezível
Por que o tão comentado final de Succession pode ser, de fato, considerado um dos melhores da história?


Chega de grand finales, obrigado. Não um, mas quatro programas de tevê amados pelos espectadores lançaram seus últimos episódios na última semana de maio.
Na sexta-feira 26, a Maravilhosa Sra. Maise fez sua última reverência na Amazon Prime Video. Na segunda-feira 29, HBO Max deu um golpe duplo, com Succession e Barry. Na quarta-feira 31, foi a vez de o grande sucesso da Apple, Ted Lasso, tocar o apito final.
Mas foi de Succession que ficou todo mundo falando. E com razão. A saga protagonizada pelos super-ricos criados pelo roteirista britânico Jesse Armstrong não apenas se manteve no mesmo patamar durante toda a quarta temporada, como seu magistral canto do cisne de 88 minutos, De Olhos Abertos, entrou imediatamente para o panteão dos grandes finais da tevê.
De modo geral, os finais das séries tendem a se encaixar em quatro categorias. Existem aqueles que, de tanto tentar impressionar, decepcionam, como Seinfeld, Line of Duty, Dexter, Lost, Girls, Ozark e, o mais óbvio exemplo disso, Game of Thrones. Às vezes é tamanha a indignação causada nos fãs que eles vão atrás de um financiamento coletivo para fazer um remake, a despeito de sua total inexperiência em produção.
Existem os encerramentos muito mais felizes e bem avaliados, que criam algo sedutor e belo, levando o que aconteceu antes a um clímax perfeito. Pense em Mad Men, A Sete Palmos, Blackadder, Better Call Saul, The Americans, The Leftovers e, naquilo que podemos considerar um duplo milagre, ambas as versões de The Office.
Há, ainda, os finais que provocam uma reviravolta na história ou mudança de narrativa. Foi assim com I May Destroy You, Battlestar Galactica, St. Elsewhere, Twin Peaks e Fleabag.
Finalmente, há aqueles que fazem com que nos sintamos mal: ou matam seus protagonistas nas últimas cenas ou deixam os espectadores totalmente desamparados de outras maneiras.
Podem ser incluídos nessa última categoria Breaking Bad, Boardwalk Empire: O Império do Contrabando, Killing Eve: Dupla Obsessão, Mare of Easttown, A Escuta e Catastrophe – Sem Compromisso. O suprassumo, é claro, é o ambíguo “corta para a tela preta” de Os Sopranos, que fez milhões de pessoas pensarem que seus aparelhos de televisão estavam piscando em um momento inoportuno.
Brutalmente magnífico, Succession
conseguiu abranger as duas últimas categorias. A coroação de Tom Wambsgans como CEO da Waystar pegou a maioria dos espectadores de surpresa – o que cabe vagamente na classificação de reviravolta. A conclusão, no entanto, fazia todo sentido dentro do universo ficcional de Armstrong, marcado pela pergunta feita no início da temporada: quem assumiria o lugar do patriarca Logan Roy após sua morte?
A série da HBO Max entregou uma comédia deliciosa e um drama devastador, em um pacote executado de forma impecável
Embora muitos previssem que quem chegaria ao poder seria seu colega conhecido como “Irmão Nojento”, o esguio e desajeitado Primo Greg, o triunfo de Tom foi assustadoramente plausível e permaneceu fiel ao espírito do programa.
Ele falou sobre temas do mundo real, como ambição venal, corrupção corporativa e vácuos morais, posicionando-se na proximidade do poder, errando de baixo para cima e galgando para postos cada vez mais altos.
Ao longo da temporada, a sala de roteiristas estrelas comandados por Armstrong manipulou nossas emoções com habilidade. Fomos provocados com a perspectiva tentadora de um final triunfante, quando os irmãos Roy, filhos do fundador, se uniram brevemente. Chegou a parecer que eles poderiam, simplesmente, dar um golpe quando houvesse a reunião do conselho.
Por um breve período, o trio de irmãos surgiu liberto da rivalidade mútua e vimos as cenas familiares mais felizes do programa. Eles brincavam na cozinha caribenha da mãe como adolescentes crescidos, provocando uns aos outros, fazendo vozes idiotas e cometendo atos sexuais pueris com pedaços de queijo artesanal.
Em outra cena de união, vimos os irmãos se abraçando, enquanto assistiam, em lágrimas, a um vídeo caseiro do temível patriarca Logan, num raro momento em que parecia ter o estado de espírito descontraído.
Mas como isso tudo acontecia em Succession, as boas vibrações não poderiam durar. Tudo estava sempre fadado a terminar em uma tragédia paralisante. Como um drama familiar sobre seres humanos imperfeitos, Succession foi quase perfeito. E foi, no mínimo, uma inigualável sátira de humor negro sobre o mundo dos negócios.
Meio Rei Lear, meio Hamlet, a série mais comentada do ano terminou com um floreio, não com um encolher de ombros. Ou seja, ofereceu uma sensação de encerramento totalmente satisfatória, mas deixou espaço suficiente para futuros imaginados.
Entregando-nos uma agonia requintada, gargalhadas enormes e excelência na realização, Succession encerra-se como um dos maiores dramas de tevê de todos os tempos. E seu final, certamente, entrou para a lista dos cinco melhores da história da tevê, ao lado de A Sete Palmos, The Americans, Mad Men e Breaking Bad.
Os finais de séries são notoriamente difíceis de ser realizados. Não se pode fazer tudo e não se pode agradar a todos. E, já tristes ao ver seus personagens favoritos partirem, os fãs, ansiosos, geralmente, estão prontos para encontrar buracos no final da narrativa.
Succession conseguiu escapar das armadilhas e surpreendeu, mantendo sua lógica interna. Entregou uma comédia deliciosa e um drama devastador num pacote impecavelmente executado. Trata-se de uma façanha que apenas um punhado de outros programas alcançou. •
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
Publicado na edição n° 1263 de CartaCapital, em 14 de junho de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Uma façanha nada desprezível’
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