Cultura

Uma descoberta no mar do streaming

Três destacados longas-metragens de Patrick Wang, cineasta norte-americano de origem taiwanesa, chegam ao Brasil por meio da plataforma Filmicca

Nas duas partes de A Fábrica de Pão , o diretor mostra o desajuste dos afetos na contemporaneidade - Imagem: Vanishing Angle
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Tem na Netflix? Não. A entrada no mercado brasileiro de plataformas menores revelou que, no universo do streaming, quantidade não equivale a qualidade. E que, muitas vezes, abundância é sinônimo de perder tempo com filmes medianos e iguais.

Os três títulos da coleção O Cinema de Patrick Wang, que acaba de estrear no catálogo da Filmicca, demonstram que descobertas podem valer mais que novidades.

Os filmes desse diretor americano descendente de chineses de Taiwan são próximos dos primeiros trabalhos de Ang Lee, aqueles anteriores à carreira internacional. E evocam o estilo fragmentado de outro diretor de Taiwan, Edward Yang.

O parentesco mais evidente é com o cinema indie dos anos 1990, que valorizou histórias de fragilidade emocional e de falência da felicidade, antes de esses temas se tornarem predominantes nas séries de tevê.

Em Família (2011), O Luto dos Outros (2015) e as duas partes de A Fábrica de Pão (2018) guardam semelhanças temáticas com aquele sentimento de fim de século, que desnudava a miséria do narcisismo, antes de o Instagram e as redes sociais quebrarem o espelho que revela nossa falta de graça.

Mas a abordagem de Wang não se dilui no anacronismo. O estilo oblíquo do diretor enfatiza o que a inflação comunicativa oculta. Fala-se muito, até excessivamente, nesses filmes. Confrontos cara a cara, demoradas cenas em tribunais ou diante de comissões são capturados em planos longos e fixos, de modo a não perturbar o que se tenta dizer com palavras.

Antes de alcançar os instantes de apoteose dramática, os personagens estão, porém, quase sempre sós ou isolados no plano e suas falas ficam aquém do que tentam dizer. Outro sinal da falácia da comunicação aparece nos recorrentes diá­logos diante de portas que não se abrem.

Em vez do convencional uso do campo-contracampo, método no qual o diá­logo é mostrado como alternância entre interlocutores, Wang filma muito um lado só, tornando a palavra um eco que se escuta.

Outras estratégias são filmar a intimidade a distância, suprimir golpes sentimentais com elipses e registrar a emoção nos corpos, e não na face, evitando o close e as lágrimas.

É interessante saber que Wang, antes de se dedicar à literatura, ao teatro e ao cinema, estudou economia. Seu modo de filmar não é econômico só nos meios, nos elencos sem estrelas, nas locações e nas tramas.

A economia aqui revela que saturação é desperdício e que degustar pode ser mais nutritivo do que se empanturrar. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1207 DE CARTACAPITAL, EM 11 DE MAIO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Uma descoberta no mar do streaming

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