Cultura

Um professor sonha a história

Em “E de Extermínio”, Cirilo S. Lemos retrata um Dom Pedro III que levou a monarquia até 1930

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E de Extermínio (Editora Draco, R$ 46,90, 248 páginas) é uma novela peculiar do professor de história fluminense Cirilo S. Lemos. Surge de uma delirante história alternativa na qual um Dom Pedro III prolongou a monarquia brasileira até os anos 1930 para ser deposto numa batalha que envolve robôs tripulados, mochilas a jato, belonaves voadoras, fuzileiros americanos e clonagem humana por um general Protásio Vargas que mistura traços de Getúlio, Deodoro da Fonseca, Brizola e Castelo Branco.

O protagonista é um assassino de aluguel que, contratado pelo general para executar um papel importante no golpe militar apoiado pelos Estados Unidos, torna-se de imediato alvo de uma tentativa de queima de arquivo, da qual ele e o filho escapam graças a poderes paranormais que nele se manifestam como a visita de uma santa e no menino tomam a forma de conselhos de um super-herói gringo chamado Democrata (cuja parceira se chama Republicana). Anos depois, envolvem-se na guerra movida por Washington contra esse Vargas em resposta à aliança deste com a Alemanha nazista e depois em um movimento de restauração da monarquia promovido por freiras rebeldes com apoio da União Soviética.

Não é absurdo pelo absurdo. Pode-se dizer que é uma visão surreal do século XX brasileiro pelo prisma da ficção científica pulp e dos quadrinhos de super-heróis da chamada Golden Age, aquela na qual Superman e o Capitão Marvel combatiam Lex Luthor e o Dr. Silvana numa aventura e Adolf Hitler na seguinte. Esses estranhos conceitos e personagens embalam uma veracidade social e política nem sempre encontrado na literatura dita realista. As curiosas circunstâncias na qual é reencenada a pouco conhecida história da Baixada Fluminense e da expropriação e expulsão de seus moradores no século passado (continuada hoje em outras partes do País) permite ver o processo com um olhar renovado sem trair a essência dos fatos. A história real produziu alianças, traições e reviravoltas ainda mais bizarras.

Ao mesmo tempo, a trama oferece uma reflexão sobre as contradições entre tradições e modernização, nacionalismo e fascínio pela cultura estadunidense, populismo e elites. Sem apontar, porém, saídas ou soluções para esses conflitos dos quais não se parece poder esperar avanços reais ou heroísmos verdadeiros além daqueles que unem pais e filhos. Uma amostra:

O busto de Clístenes, estadista grego, deitava os olhos pétreos sobre o homem por trás da mesa de mogno. Protásio Vargas sentia como se um milhão de pregos quentes fossem lentamente empurrados nuca adentro, onde se tornavam pequenos corações pulsantes.

– Estamos preparando a tela, senhor – a voz da secretária soou no alto-falante embutido na mesa.  – O general McCarthy estará na linha em dois minutos.

– Mal posso esperar – grunhiu Vargas.

Um frasco estava emborcado sobre os papéis diante dele, três ou quatro aspirinas ao redor. Às vezes ele pensava se não seria melhor dar um tiro no próprio coração do que aguentar todos os problemas grandes e pequenos que vinham diariamente tentar lhe provocar um derrame.

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