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Um gênero e suas nuances

Alvo de uma CPI na Câmara Municipal, o funk tem sua história contada e revista no Museu da Língua Portuguesa

Um gênero e suas nuances
Um gênero e suas nuances
Sons e imagens. Quadros, como Radiola de Promessa, da maranhense Gê Viana, e fotos, como as da série Fotogracria, feita na Rocinha, no Rio, ajudam a desfazer alguns estigmas – Imagem: Gê Viana e afotogracria
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Nascido como um gesto de rebeldia no período pós-ditadura, o funk ainda é visto pelo Poder Público como um problema a ser enfrentado nas periferias brasileiras. O questionamento das letras – que incitariam à violência e mesmo à sexualização precoce – e dos bailes é, segundo a pedagoga Renata Prado, diretora da Frente Nacional de Mulheres do Funk, uma constante no País.

Renata, uma das testemunhas ouvidas na Comissão Parlamentar de Inquérito dos Pancadões, em andamento na Câmara Municipal de São Paulo, é também uma das curadoras da exposição Funk: Um Grito de Ousadia e Liberdade, em cartaz no Museu da Língua Portuguesa, a partir do sábado 15.

Enquanto, na CPI, o funk é olhado a partir de um viés de criminalização, o museu busca desfazer alguns dos estigmas do gênero nascido nas periferias brasileiras.

Originário dos Estados Unidos, o funk teve as primeiras execuções no Brasil nos bailes de black music, a partir dos anos 1960, mas somente nos anos 1990 ganhou vida própria por aqui.

A exposição, que chega a São Paulo depois de ter passado um ano e meio em cartaz no Museu de Arte do Rio, perpassa a evolução do gênero. Na versão paulista, são incorporadas, aos quase 500 vídeos, fotografias, pinturas, esculturas e instalações, referências do funk no Estado de São Paulo.

Renata Prado afirma que um dos objetivos da exposição é conscientizar a população sobre o funk: “A música é importante, mas é preciso que as pessoas entendam essa cultura”. Algumas das características do funk paulista são o fato de ele ter recebido forte influência do movimento hip-hop e de não ter aflorado na capital – caso do Rio de Janeiro –, mas na Baixada Santista.

A exposição conta essa trajetória por meio de sete espaços e de uma linha do tempo na qual são relembrados acontecimentos marcantes da história do funk, reveladores da repressão e da perseguição ao gênero.

Na entrada do museu há uma obra de quase 1,5 metro representando um tênis Mizuno, símbolo do movimento funk em São Paulo, feita em papelão reciclado pelo artista visual O Tal do Alê.

Nascido como um gesto de rebeldia pós-ditadura, o funk ainda tende a ser visto pelo Poder Público como um problema

Nela estão penduradas mensagens em homenagem a nove jovens mortos em 2019 no “Baile da 17”, em Paraisópolis, na Zona Sul de São Paulo, durante uma ação policial. A escultura remete à resistência do movimento. Antes e depois do “Baile da 17” outras mortes ligadas ao funk foram registradas no País.

Em um espaço dedicado à Baixada Santista, a exposição apresenta uma instalação de Rafa Black que reproduz um altar com fotos de funkeiros assassinados – dentre eles, o mais conhecido era o MC Daleste, morto após ser baleado durante um show em Campinas, em 2013.

Outro funkeiro morto, Felipe Boladão (1989–2010), representante do movimento na Baixada Santista, é lembrado em um conjunto de fotos intitulado Oxum da Quebrada, de Danilo Simplício, exibido sob o som da música Linda Oxum, de Boladão. A obra liga o funk brasileiro à ancestralidade, aludindo à base afro do gênero.

A ideia de opressão é também o mote de uma sala dedicada ao funk paulistano, dos anos 2000 até os dias de hoje. O espaço traz, por exemplo, as fotografias de Breno Brandão, que registrou, em 2013, o chamado “rolezinho” no Shopping Metrô Itaquera, na Zona Leste da capital paulista. O encontro, marcado virtualmente, reuniu cerca de 6 mil jovens e foi o primeiro desse tipo realizado na capital.

Os rolezinhos foram uma maneira encontrada pelos moradores da periferia de se divertir em meio à falta de espaços públicos de lazer. Com o tempo, esses agrupamentos em shoppings passaram a sofrer repressão policial.

Mas nem só de referências à violência e à luta por legitimidade se faz Funk: Um Grito de Ousadia e Liberdade. A curadoria procurou, por exemplo, estabelecer diálogos entre os sentidos presentes em obras de nomes-chave da arte contemporânea brasileira, como Panmela ­Castro, Maxwell Alexandre, Gê Viana e Gabriel Labarba, e o movimento.

E, em um dos últimos espaços expositivos, é retratado o “funk do futuro”, que inclui a presença do gênero na educação, no campo acadêmico e no ativismo. Para Renata Prado, esse espaço é essencial por colocar a cultura funk dentro do espaço de valorização da educação e do ensino difundido pelo Museu da Língua Portuguesa.

Na sala, há imagens de funkeiros em escolas, para mostrar a relação do gênero com a educação, além de acervos de livros sobre o funk produzidos pela academia e membros do movimento.

A exposição promove ainda uma comparação linguística do gênero a partir da palavra e do jeito de cantar nos diferentes lugares. Como pontua a curadora, há uma relação fonética muito grande entre os funkeiros cariocas e os caiçaras da Baixada Santista.

Em cartaz até agosto de 2026, a 2 quilômetros da sede da Câmara Municipal, Funk: Um Grito de Ousadia e Liberdade contribui para a compreensão do gênero e sua relação com o espaço público e, consequentemente, para o aprofundamento da discussão política em curso. •

Publicado na edição n° 1388 de CartaCapital, em 19 de novembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Um gênero e suas nuances’

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