Cultura

cadastre-se e leia

Um chega pra lá?

Interlocutores de Tarcísio de Freitas dizem que o novo governador de SP quer distância dos bolsonaristas radicais da cultura

Arte e política. A pasta, enorme, reúne 19 museus, entre eles o Ipiranga, e tem a Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura, como um de seus órgãos vinculados - Imagem: GOVSP e Diogo Zacarias/Haddad 2022
Apoie Siga-nos no

O fato de Mário Frias, ex-secretário especial de Cultura do governo Bolsonaro, ter sido um dos deputados mais bem votados do PL no estado de São Paulo, é visto, após a eleição de Tarcísio de Freitas (Republicanos), como uma nova ameaça ao setor cultural.

Mas, embora venham sendo publicadas, aqui e ali, notícias sobre a possível escolha do ator para a Secretaria da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, interlocutores próximos à equipe de transição, que começou a trabalhar esta semana, o novo governador não quer ver reproduzido, em São Paulo, o perfil persecutório da gestão federal. De acordo com essa versão, tanto Frias quanto André Porciúncula, candidato derrotado à Câmara dos ­Deputados e habitué do Instagram, estariam descartados.

Permanece, porém, entre os cotados o advogado Hélio Ferraz, secretário-executivo da pasta. Nas últimas semanas, circularam, em grupos de WhatsApp de profissionais do setor cultural ­paulista, fotos de Ferraz, ao lado de Frias e ­Porciúncula, portando armas. Ferraz é, ao mesmo tempo, reconhecido, à boca pequena, como o único, dentro de uma pasta ocupada por gestores delirantes e virulentos, com quem era possível estabelecer um mínimo grau de interlocução.

Coube a Ferraz, por exemplo, a condução da solução institucional para a crise que manteve fechada, durante quase dois anos, a Cinemateca Brasileira. Foi ele também quem compareceu à inauguração do Museu do Ipiranga, em setembro, representando o governo federal. E, ainda que sua presença não tenha tido nada de confortável, ele, ao contrário de Mário Frias e Porciúncula, não costumava postar nas redes sociais ataques à Lei Rouanet ou a artistas específicos.

“O mais importante para nós é que esta nova gestão, seja quem for o escolhido, tenha uma abertura para o diálogo, coisa que, diga-se, não tivemos na gestão do Sérgio Sá Leitão (secretário do atual governo)”, diz Danilo Cesar, integrante da Frente Ampla em Defesa da Cultura de SP. “O que nos preocupa é que, na formação do governo, eles terão de dialogar com partidos como PL, Republicanos e União Brasil. E, nesse grupo, há forças que têm na guerra cultural uma prioridade estratégica.”

As notícias em torno do nome de Mário Frias para ocupar a secretaria têm deixado em pânico o setor cultural

Além dos ex-integrantes da Secretaria Nacional de Cultura, já foram aventados nomes como o de Pedro ­Mastrobuono, presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), que, apesar de ter sido indicado no governo Bolsonaro, fez uma gestão técnica; André Sturm, presidente do Sindicato da Indústria Cinematográfica de SP (Siaesp) e próximo aos apoiadores de Freitas na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp); e Luiz Celso Vieira Sobral, que já presidiu uma Organização Social (OS) de cultura no Estado e foi secretário-adjunto de Andrea Matarazzo.

A secretaria paulista é uma estrutura gigante, sustentada, predominantemente, pelo modelo de OS. O que isso significa? Que parte dos recursos usados para a manutenção dos equipamentos é captada junto à iniciativa privada, via Lei ­Rouanet. Entre os dez maiores captadores da Lei Rouanet, em 2021, estão a Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo – que gere o Museu do Ipiranga –, e a Fundação Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp).

No primeiro governo Lula, o grande volume captado pelas instituições paulista chegou, inclusive, a ser apontado como uma distorção da lei – pelo fato de os estados se tornarem, supostamente, concorrentes dos produtores independentes. Hoje, essa pauta parece fora do radar do partido. Já o clã Bolsonaro e Mário Frias desencadearam uma disputa pela paternidade do projeto de restauro do Museu do Ipiranga, justamente porque ele fora bancado por meio da lei federal de incentivo à cultura.

“Eu não acho que, na nova gestão, o modelo das Organizações Sociais corra qualquer risco, não só porque ele se mostrou muito bem-sucedido, mas porque o governador eleito já defendeu as parcerias público-privadas”, afirma Sturm, que prefere não comentar sua possível indicação.

A estrutura da secretaria congrega um amplo sistema de bibliotecas, quatro corpos artísticos – Osesp entre eles –, nove grandes eventos – como o Prêmio São Paulo de Literatura –, seis bem estabelecidos programas de formação – o Guri é um deles –, além de 19 museus.

“É quase um ministério, tamanha a estrutura”, diz Alex Calheiros, especialista em políticas públicas e hoje lotado no Ibram. “Para ficar apenas nos museus, aponto duas preocupações. A primeira é que eles dependem da captação via Lei Rouanet para se manter. A segunda é que as escolhas para quem vai geri-los precisa ser republicana.” Nunca é demais lembrar que os bolsonaristas da ala cultural perseguiram o Museu da Língua Portuguesa por ter escrito a palavra “todes” em suas redes sociais. Isso sem falar na presença, por exemplo, de Sérgio Camargo na Fundação Palmares.

Outro espaço sensível e historicamente marcado por tentativas – tanto bem-sucedidas quanto fracassadas – de intervenção política é a Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura, órgão vinculado da secretaria. Há anos dominada pelo PSDB, a emissora vive, neste momento, um clima de grande expectativa. Para não dizer de pavor. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1235 DE CARTACAPITAL, EM 23 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Um chega pra lá? “

Leia essa matéria gratuitamente

Tenha acesso a conteúdos exclusivos, faça parte da newsletter gratuita de CartaCapital, salve suas matérias e artigos favoritos para ler quando quiser e leia esta matéria na integra. Cadastre-se!

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.