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Três garotos em apuros

O drama cômico ‘Nintendo e eu’, vindo das Filipinas, explora os clichês dos filmes sobre a descoberta da sexualidade

Três garotos em apuros
Três garotos em apuros
Imagem: Pandora Filmes
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A internet consagrou a expressão “coming of age” no lugar da palavra “amadurecimento” – que talvez soe complexa ou anacrônica demais. O título brasileiro Nintendo e Eu segue a mesma tendência, apagando as ideias de fim e obsolescência contidas no título original, Death of Nintendo (Morte do Nintendo).

O drama cômico filipino retrata as peripécias de um trio de garotos enredados entre as últimas novidades da sociedade de consumo e a erupção dos hormônios. O filme, ambientado na era pré-internet, pode funcionar como viagem no tempo para quem cresceu nos anos 1990. Mas não só.

À primeira vista, Nintendo e Eu é mais um filme sobre a descoberta da sexualidade, um subgênero que, de Houve Uma Vez Um Verão a Euphoria, retrata os corpos adolescentes tomados por febres eróticas.

Os dias de Paolo, Kachi e Gilligan dividem-se entre horas jogando videogame e disputas de quem goza mais em sessões de masturbação. Enquanto isso, eles planejam uma viagem a um lugarejo onde um cirurgião alternativo faz circuncisões. Em suas cabeças tomadas pelo fantasma sexual, qualquer milímetro a mais é decisivo

O diretor Raya Martin explora todos os clichês do gênero, explicitando de que modo se constroem e se reproduzem os códigos da masculinidade e da virilidade. Martin, cujo nome surgiu associado à onda que revelou o cinema radical do conterrâneo Lav Diaz, parece render-se às facilidades do cinema comercial.

Sua estratégia parece ser, porém, expor as fragilidades masculinas por meio da paródia. E ele faz isso com base no astuto texto da roteirista Valerie Castillo Martinez.

Junto ao trio de garotos, mas sempre marginalizada por eles, está Mimaw, uma menina com roupas masculinas, físico largado e calcinhas furadas, que cria um ponto de vista distinto e irônico.

Enquanto as mães deles são mulheres sozinhas ou abandonadas, que cuidam de suas famílias como se os homens só tivessem existido para engravidá-las, ­Mimaw se distancia de qualquer estereótipo. Ela nem corresponde ao ideal erótico dos meninos nem se encaixa na imagem de Barbie das meninas.

Ela, aliás, veste calças quando eles têm de trocar as bermudas por saias e vestidos após a circuncisão, numa cômica inversão do signo do sangramento menstrual nos corpos femininos. Inicialmente coadjuvante, a personagem, gradualmente, torna-se fundamental, sendo a responsável pela invenção de álibis e a organização da grande fuga.

Mimaw, com seu percurso inclassificável, pode ter mais a dizer que os discursos sobre empoderamento feminino assimilados como marketing do bem e tão usados pelo cinema “sério”. •

Publicado na edição n° 1257 de CartaCapital, em 03 de maio de 2023.

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