Cultura
Tradição lapidada
Disco Alma, da cantora de fado Carminho, pode ser a renovação que o gênero precisa em terras brasileiras
Por Tárik de Souza
Alma
Carminho; MPB/Universal
A renovação do fado ainda não ecoou como deveria nesta ex-colônia portuguesa, imantada, no passado, pelos sotaques carregados de cantores como Amália Rodrigues, Francisco José, Ester de Abreu e Olivinha Carvalho. Aos 28 anos, Maria do Carmo Carvalho Rebelo de Andrade, a Carminho, filha da fadista Teresa Siqueira, pode contribuir para reverter essa situação. Seu recém-lançado segundo disco, Alma, promove aproximações e busca afinidades em audaciosos duetos com ases da MPB. Ao lado dos violões do Trio Madeira Brasil, Milton Nascimento divide com ela seu clássico Cais (parceria com Ronaldo Bastos), de melodia escarpada, árduo desafio para qualquer garganta sem a potência do autor. Carminho ainda terça vozes com a majestosa Nana Caymmi, em companhia do piano de Leandro Braga, em Contrato de Separação, de um Dominguinhos (com Anastácia) a léguas das síncopas do forró, numa canção dissonante e dolorida.
Chico Buarque (também com o Trio Madeira Brasil) volta à Carolina de 1968, fraturada na releitura tropicalista de Caetano Veloso na época. No dueto com o autor, Carminho restabelece o lirismo nostálgico da canção. E ainda insere, sem conflito, entre os castiços Fado das Queixas e Folha (parceria da cantora com Júlio Proença), outra composição de Chico, Meu Namorado, parceria com Edu Lobo, da trilha do balé O Grande Circo Místico, de 1983. Para selar os laços, Carminho desentoca o fado Saudades do Brasil em Portugal, de Vinicius de Moraes (em parceria, omitida, com Homem Cristo), gravado por Amália Rodrigues em 1973. O tilintar da guitarra portuguesa, viola de fado e eventual baixo ou percussão leve ainda emolduram drama (Fado Adeus), algum balanço (Bom Dia, Amor, Cabeça de Vento) e delicadeza (Ruas) no roteiro dessa sutil lapidadora da tradição.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.



