Cultura
Tom Ripley, em forma aos 70
Explorado no cinema, na tevê e no rádio, o personagem é um dos grandes anti-heróis ficcionais do século passado
Quando publicou O Talentoso Ripley, em 1955, Patricia Highsmith já tinha uma trajetória como escritora, tendo lançado três romances em cinco anos. Um deles, Pacto Sinistro, foi adaptado para o cinema por Alfred Hitchcock com bastante sucesso. Mas, ainda assim, seus livros não vendiam tanto e ela nem era exatamente respeitada.
Foi ao entregar ao mundo a história de um trambiqueiro pobre em busca de ascensão social que assassina um milionário e assume o lugar dele que Patricia conquistou público e crítica. O Talentoso Ripley não só vendeu bem como ganhou prêmios importantes – entre eles o prestigioso Grand Prix de Littérature Policière. E, até hoje, Tom Ripley faz parte da cultura pop. Trabalhado pela autora ao longo de outros quatro romances e explorado em filmes, séries e programas de rádio, o personagem é considerado um dos grandes anti-heróis da ficção no século XX.
Para celebrar a efeméride de 70 anos do lançamento do primeiro livro, a Editora Intrínseca concluiu a republicação da série completa. Além do primeiro, saíram Ripley Subterrâneo (1970), O Jogo de Ripley (1974), O Garoto Que Seguiu Ripley (1980) e Ripley Debaixo D’água (1991). Todas as capas foram ilustradas em estilo vintage por Michel Casarramona, e as edições são numeradas na ordem das histórias.
Apesar de os livros terem tramas independentes, com pequenos pontos de contato entre si, a experiência de lê-los na sequência nos permite acompanhar o personagem ao longo de anos. Sempre improvisando e aprimorando técnicas de disfarce, trapaças e crimes obscuros, com mortes às vezes decididas no calor da situação, Ripley é, muitas vezes, frio e calculista, mas nem sempre tem a pior das intenções.
Patricia Highsmith o apresenta de maneiras tão ambíguas e contraditórias que fica a sensação de que, mesmo acompanhando os passos do personagem por centenas e centenas de páginas, nunca o conheceremos a fundo.
“Highsmith retoma procedimentos de autores como Edgar Allan Poe e Fiodor Dostoievski”, diz o pesquisador, tradutor e editor Alcebíades Diniz, entusiasta da autora. “Ela faz isso ao tentar compreender mecanismos disparadores da violência e, consequentemente, do crime em indivíduos comuns e cotidianos, que escondem certa agressividade latente, representada pelo desejo e por máscaras mais ou menos bem construídas.”
O fascínio por Tom Ripley vem, na visão de Diniz, desse arquétipo que sintetiza as muitas obsessões e percepções da autora: “Temos um personagem que é, ao mesmo tempo, falsário, assassino frio e cruel, diletante apreciador de arte e representante máximo do cinismo diante dos jogos sociais”.
Maior sucesso da carreira de Patricia, O Talentoso Ripley, lançado originalmente em 1955, é reeditado no País com todos os outros volumes da coleção
Ripley ganhou as telas, cinco anos após o lançamento do primeiro livro, na produção francesa O Sol por Testemunha (1960), de René Clément. O filme foi protagonizado pelo astro Alain Delon, primeiro ator a encarnar a figura misteriosa e sedutora descrita pela escritora norte-americana. Ela não ficou exatamente satisfeita com a mudança de final na versão cinematográfica e, apesar de elogiar Delon, dizia que o roteiro de Clément e Paul Gégauff punia demais a imoralidade de Ripley.
Ela também não simpatizou muito com a versão do alemão Wim Wenders para O Jogo de Ripley, intitulada O Amigo Americano (1977) e protagonizada por Dennis Hopper. Mais tarde, viu o filme pela segunda vez e mudou de opinião, reconhecendo que se tratava de uma leitura bastante próxima ao seu próprio Ripley.
Falecida em 1995, Highsmith não viu a adaptação mais famosa de todas, AO Talentoso Ripley (1999), de Anthony Minghella, com Matt Damon como o personagem-título e Jude Law como o amigo rico. Ao longo dos anos, outras muitas versões manteriam o trapaceiro assassino constantemente em evidência: os filmes O Jogo de Ripley (2005), com John Malkovich, e Ripley no Limite (2005), com Barry Pepper, e a série da Netflix, Ripley (2024), com Andrew Scott. Nunca um ator repetiu o papel.
Todo esse lastro ajuda, obviamente, a manter vivo o interesse pelos romances, fazendo com que estejam sempre em circulação. “Com esses livros, Highsmith revolucionou, nos anos 1950, a maneira como o suspense era escrito, e sua marca está, sem dúvida, na literatura produzida nos dias atuais”, diz Rebeca Bolite, editora-executiva da Intrínseca. “Os personagens, o cenário, as motivações e o estilo criado por ela seguirão interessando os leitores, geração após geração.”
Para Alcebíades Diniz, o encanto permanece, sobretudo, pela maneira despudorada com que a autora desenvolve um único personagem por várias tramas arquitetadas, quase sempre, por ele mesmo. A longevidade de Ripley, tornado uma “estranha franquia”, deriva, na visão de Diniz, da ambiguidade perversa das tramas e da visão cínica e pessimista da autora – que segue a tocar autores, roteiristas, diretores e, não menos importante, leitores. •
Publicado na edição n° 1389 de CartaCapital, em 26 de novembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Tom Ripley, em forma aos 70’
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