Cultura

Toda avó era velha

As avós de hoje são um barato

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Quando eu era menino, não existia avó jovem. Toda avó era velhinha e parece que já nasciam velhinhas, com aquele coque na cabeça, cabelos grisalhos, óculos de grau, aquela saia bege, blusa de cetim e um chinelinho de lã xadrez nos pés. 

Avó tinha rugas, muitas rugas e a gente gostava de ficar puxando a pele das mãos dela, como se fosse um elástico. 

Vovó era aquela que, com o vovô e com o Ivo, via a uva na cartilha de um curso que se chamava primário. Avó era aquela do Chapeuzinho Vermelho, com um camisolão largo e um gorro na cabeça, preso com uma fitinha de algodão. Avó era a Dona Benta do Sítio do Pica Pau Amarelo, a mais perfeita tradução de uma avó.  

Eu só tive uma avó na vida, a vovó Zizinha. Acho que ela nunca foi brotinho, sempre foi velhinha, reclamando de umas dores de lado, do chuvisco na televisão e da velhice. Ela era daquelas que falei lá em cima. Coque na cabeça, óculos de grau, saia bege, blusa e cetim e chinelinho de lã xadrez nos pés. 

A única diferença da minha vó para as avós dos meus amigos, é que Zizinha era uma espécie de Chiquinha Gonzaga. Não que tivesse composto Ó Abre Alas, mas tinha ojeriza a vassoura, espanador e pano de prato. Ela era da lira, não posso negar.

Vovó Zizinha tinha cara de vó. Nunca foi de tomar uma Brahma com as amigas num boteco em Santa Teresa, onde sempre morou. Nunca dirigiu um automóvel e nem viajou sozinha pra Ponte Nova, onde nasceu. Ela não discutia política e só votava no candidato que o meu avô dizia pra ela votar. Diz a lenda que, como o voto era secreto, ela não obedecia muito as ordens do vô Neco não. 

Confesso que, hoje em dia, estranho a palavra avó. 

Quando minhas filhas eram pequenininhas e chegavam em casa contando que pegaram uma carona com a avó de um amiga, eu sempre imaginava uma velhinha de uns setenta e tantos anos, dirigindo um fusquinha velho e ficava aliviado por elas terem chegado vivas em casa.

Na verdade, a avó que trazia minhas filhas era uma mulher de quarenta e poucos anos, que trabalhava numa grande empresa e comandava uma turma de uns cinquenta marmanjos. Não tinha nenhuma cara de vó.

Vó à moda antiga era uma mulher meio ranzinza que tomava um monte de remédios, tricotava até cochilar e assistia todas as novelas na televisão, inclusive Beto Rockefeller.

Vó era vó, e pronto.

Era aquela que dava biscoitinho Mirabel, bala Chita e cigarrinho de chocolate da Pan pros netos, minutos antes do almoço, escondido dos pais. 

Vó era aquela que deixava os netos assistirem televisão até mais tarde, mesmo depois que o menininho dos cobertores Parahyba anunciava na TV que já era hora de dormir e que não era pra esperar a mamãe mandar.   

Vó era aquela que, na hora do almoço, ia lá na cozinha fritar um ovo pro neto que não gostava de jiló, nem bife de fígado.

Vó era aquela que, todas as noites, lia pros netos a coleção completa dos livrinhos da Mary França e do Eliardo França: A Galinha Choca, A Boca do Sapo, O Rabo do Galo, imitando cada bicho. 

Vó era aquela que deixava o neto ir dormir sem tomar banho, com os pés sujos e com a roupa do corpo, preguiça de por pijama. 

O figurino mudou.

Avó hoje toma Brahma com as amigas no boteco, dirige automóvel, viaja sozinha, discute política, vai na passeata com cartaz de Fora Temer e assiste todos os seriados americanos no Netflix. 

Vó hoje passa horas passando o dedo no Instagram, posta foto no Facebook, procura apartamento pra alugar no Airbnb, chama um Uber, isso quando não está analisando o perfil de um gatão no Tinder.

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