Cultura

Tamanho Família

Na minha tinha de tudo…

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Família, família
Papai, mamãe, titia
Família, família
Almoça junto todo dia
Nunca perde essa mania 

(“Família”, Titãs do Iê-Iê-Iê)

Família não era apenas o pai bravo, a mãe do lar e um punhado de filhos. Tinha o avô, a avó, os tios, as tias, os primos, as primas, os tios tortos, os primos tortos e o que chamávamos de parente longe. 

Família tinha jantarada no domingo, todos juntos, e isso era sagrado. A jantarada tinha arroz de forno, tutu de feijão e frango assado, comprado vivo no Aviário Modelo, no Mercado Central. E, de sobremesa, tinha pêssego em calda com creme chantilly. 

Família tinha um avô que guardava o dinheiro vivo, uma maço de cruzeiros, num saco de Açúcar Pérola, escrito com letras garrafais VENENO, pra ninguém chegar perto. 

Tinha uma avó que passava o dia com os cotovelos na janela, vendo o movimento na Rua Hermilo Alves, no bairro de Santa Teresa. 

Tinha uma tia pão dura que, assim que fez sessenta anos, passava o dia andando de ônibus só pra ter o prazer de, no final do dia, contabilizar quanto havia economizado.

Tinha um tio sistemático com o seu Citroën Traction preto, ano 1947, único dono, que não gostava de tirar fotografias e virava o rosto quando ouvia o olha o passarinho. 

Tinha uma tia que nunca pegou numa vassoura, num espanador ou numa flanela. Aquela que preferia tomar o café da manhã com a emprega na padaria pra evitar vasilha suja na pia. 

Tinha uma tia que, aos 70 anos, contava em alto e bom tom suas aventuras sexuais nos motéis da cidade com namorados ocultos, seguramente inexistentes. 

Tinha uma tia torta que, um dia, esqueceu uma calcinha enorme no varal e foi-se embora pra Ponte Nova, motivo de chacota da meninada durante décadas. 

Tinha um tio exagerado que ia nas Estâncias Califórnia e voltava com cinco pães de forma – que chamávamos de pão americano – um quilo de presunto e um quilo de queijo prato pra alimentar os seis filhos. 

Tinha um tio torto que era separado, que tinha cheiro de tinta e morava na Cidade Maravilhosa, onde confeccionava flâmulas do Clube de Regatas do Flamengo. 

Tinha um primo, ovelha negra da família, que passava o dia jogando basquete-ball no quintal, motivo de tititi entre todas as tias, menos a mãe dele. 

Tinha uma prima muito comportada que, de repente, engravidou-se aos 16 anos para espanto de todos. 

Tinha uma prima muito engraçada, falastrona, que vivia perguntando a todos os homens da família se eles eram chefe e qual era os seus salários. 

Tinha um primo que todos diziam que era um crânio e era mesmo. Depois de passar em primeiro lugar no ITA, ganhou uma bolsa para morar na Alemanha, numa época em que quase ninguém viajava pro estrangeiro. 

Tinha uma prima que fazia todas as coleções de fascículos. De Medicina e Saúde a Bom Apetite. De Gênios da Pintura a Ciência Ilustrada. De Grandes Personagens da Nossa História a Mãos de Ouro. 

Tinha uma prima que era gêmea da prima engraçada, que foi embora com o marido inaugurar Brasília e era a mais elegante de todas as primas. 

Tinha uma prima que despertava paixões mas que nunca pintou romance com primo, de tanto que eles ouviam que primo que casa com prima tem filho defeituoso. 

Tinha um primo advogado, o mais velho de todos, casado com uma advogada. 

Tinha um primo meio doidão, meio hermitão, que era oito ou oitenta. Ora vivia numa mansão, ora voltava pra casa da mãe sem um tostão furado no bolso.

Tinha um primo que mudou-se para São Paulo novinho ainda e nunca mais voltou. 

Família era família completa, que antes de ir embora no final do domingo, depois da jantarada, ainda tomava um café ralo em xícaras Colorex, com pão de meio-quilo e manteiga Itambé

Foi na época em existiam famílias assim que a maior fabrica de refrigerantes do mundo teve uma grande ideia e lançou uma novidade nos armazéns de Belo Horizonte: A Coca-Cola de 1 litro, tamanho família. 

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