Cultura

Simone Sou: “O percussionista é um antropólogo por natureza”

Com sólida carreira no Brasil, ela relata a angústia de viver fora do país em meio a tantas mudanças e problemas por aqui

Foto: Mônica Bento Foto: Mônica Bento
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A percussionista Simone Sou construiu trabalho sólido na música, tocando com vários artistas de ponta de MPB desde os anos 1990. Mas em 2012 mudou-se para Holanda, permanecendo por lá até 2018.

Nesse período na Europa, lançou seu segundo trabalho solo, o SOS Bras Beat (2016), e deu continuidade a vários projetos lá e aqui.

“Fui parar na Holanda por causa de um projeto musical e aí conheci Oleg Fateev (acordeonista da Moldávia), meu companheiro”, lembra. “É um país curioso, desenvolvido humanamente com a vida urbana e rural em harmonia”.

A partir de 2013, começou a ficar angustiada com os protestos no Brasil. “Tocava tambor aqui (na Holanda) com meu coração batendo aí. Precisava ativar meu engajamento artístico e dar sentido ao toque do meu tambor”, conta.

De volta ao Brasil, pode gravar o álbum O Amor é um Ato Revolucionário (2019), de Chico César, com quem integrou a banda Cuscuz Clã no início da carreira do cantor paraibano, tocar de novo com a Orquídeas do Brasil (banda criada por Itamar Assumpção nos anos 1990), Badi Assad, Iara Rennó, Robertinho Silva, e “ir à Festa de São Benedito, apreciar as congadas em Aparecida do Norte, visitar os índios Pankararu no Real Parque (Zona Sul da capital paulista) e fazer o meu som”.

Simone Sou voltou ao Brasil um mês antes do pleito de 2018, segundo ela para se reconectar às suas raízes. “Antes da eleição presidencial, compartilhei sonhos e ideias. Depois chorei…chorei muito. Entrei em um estado de profunda tristeza que só cresce desde então”.

A percussionista relata preocupação com a forma com que tratam a Amazônia, os povos originários e a cultura: “Inaceitável”. Em fevereiro desse ano, Simone Sou chegou a participar da Semana da Arte contra a Barbárie, ato de rua com a presença de vários artistas contra a censura.

A instrumentista voltou a Holanda uma semana antes do início da segunda onda de pandemia na Europa, depois de passar nove meses isolada no Brasil e vários projetos cancelados. A volta tinha o motivo de cuidar da recuperação do companheiro em casa, após contrair a covid-19 e ficar em estado grave.

“Ouço dos meus amigos (da Holanda), desde as eleições de 2018, surpresa e indignação em relação à escolha presidencial e sobre a postura descuidada do presidente em relação à covid”.

Outros temas preocupantes levantados em roda de amigos lá fora é o descaso do governo à questão ambiental e o desrespeito com as comunidades indígenas.

“Mas o assunto de sempre é o abismo social: violência e desigualdade, espelho de uma sociedade que não investe na Educação. Sinto um ar ‘solidário’ quando falo com amigos aqui, pois são pessoas que admiram a música brasileira, mas não entendem porque o país sofre de tantos males”.

Trabalhos

Sobre seus dois trabalhos solos, o Sim One Sou (2011) e o SOS Bras Beat, são projetos minuciosos, com temas instrumentais e canções experimentais.

“É um jeito de fazer música de uma maneira artesanal. Utilizo muitos instrumentos para explorar sonoridades e procuro um resultado timbrístico único”.

Durante a pandemia, ela produziu em casa vídeos de novas composições e improvisos, percorrendo vários instrumentos do seu acervo. Ela diz ter começado também um duo com seu irmão baterista e produtor musical Gustavo Souza.

Trabalhar em projetos onde trafega por sonoridades inexploradas é recorrente na carreira da percussionista. Foi assim quando nos anos 2000 fez um trabalho com tribos indígenas do Xingu, realizou o Projeto Cru com o produtor Alfredo Bello (conhecido como DJ Tudo) e o saxofonista Marcelo Monteiro, e também o Batucajé, com a referência brasileira da bateria e percussão Robertinho Silva, além de Alfredo Bello e a percussionista Jadna Zimmermann.

O Soukast é um projeto de Simone Sou em duo com o percussionista Guilherme Kastrup. Ambos lançaram em 2014 com o pianista Benjamin Taubkin Sons de Sobrevivência.

Atualmente, desenvolve um duo misturando músicas dos Bálcãs e brasileiras com Oleg Fateev.

“O percussionista, em geral, é um antropólogo por natureza, pois tocar percussão é se aventurar pela história dos povos, pesquisar origem dos instrumentos, observar as tradições, decodificar vivências humanas e transformar sons. Especialmente as mulheres estão redescobrindo a percussão e a bateria, o poder do tambor que as une e fortalece, a ancestralidade, a vivacidade e conexão com a Terra. No Brasil é sinônimo de resistência e beleza”.

Mas não tira o olho do momento: “Sobrevivência gera novas visões de vida, mas o verdadeiro artista brasileiro está em perigo, num momento político onde a importância e diversidade cultural do Brasil profundo está indo por água a baixo. A arte é a alma do povo e não se compra em loja de conveniência”.

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