Cultura

Serão os aliens comunistas?

Delírios paranoicos como os do país dos Bruzundangas têm história. Uma delas há 80 anos, nos Estados Unidos

A emissão da CBS antecipou o pavor do macarthismo, com os comunistas no lugar dos aliens (Foto: iStock)
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Na sonolenta noite de domingo, 30 de outubro de 1938, o diretor de teatro e futuro cineasta Orson Welles decidiu brindar os americanos com uma versão jocosa, ainda que apropriadamente arrepiante, do Halloween que se avizinhava.

Acabou por desencadear uma onda de histeria coletiva que virou manchete nos maiores jornais do país e do mundo, irritou as autoridades e demonstrou quão susceptíveis são os americanos de fantasmagorias persecutórias – fenômeno que iria produzir nos anos 1950 a febril inquisição macarthista aos “comunistas” e que triunfa de novo, agora tendo os imigrantes como vítimas, à sombra do teatral Trump.

Era para ser, no caso de Welles, apenas a teatralização, pelo rádio, de A Guerra dos Mundos, de H.G. Wells, uma obra escrita em 1898 – portanto, anterior ao avião e ao automóvel – na qual o inglês Wells descreve a invasão de marcianos na Terra.

Na Inglaterra, bem entendido. Com a ajuda do roteirista Howard Koch, que seria depois responsável pelos antológicos diálogos de Casablanca, e a cumplicidade do produtor John Houseman, o local do ataque foi mudado para uma fictícia Grover’s Mill, no estado de New Jersey, para onde acorreram policiais e uma multidão de curiosos, intrigados com o inusitado objeto cilíndrico que teria caído numa fazenda abandonada. De súbito, criaturas esquisitas saem de dentro do artefato e passam a disseminar o pânico, com suas pistolas de raios mortíferos.

Welles e a trupe de seu Mercury Theatre tinham uma hora de programa todo domingo às 8 da noite pela CBS, Columbia Broadcasting System, que transmitia coast-to-coast. Naquele 30 de outubro, a emissão começa anunciando com cristalina clareza que o que viria a seguir era a adaptação de uma narrativa fantasiosa, mas o talento precoce de Welles, aos 23 anos de idade, vai tecendo uma engenharia dramatúrgica tão verossímil que a América inteira, já instintivamente assustada, iria tomar como fato real.

O prólogo, lido por Welles, é uma paráfrase da introdução de Wells e já faz um, digamos, esquentamento para o desespero que há de vir a seguir.

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“Sabemos agora que desde os primórdios do século XX nosso mundo tem sido vigiado por inteligências superiores à do homem, ainda que tão mortal quanto a nossa. Sabemos agora que, enquanto os seres humanos se ocupam de seus afazeres, eles são escrutinados e estudados talvez tão de perto quanto um homem ao microscópio consegue escrutinar as criaturas fugazes que se aglomeram e multiplicam numa gota d’água.”

Em prol da veracidade, o programa, depois de introduzir o susto, retoma seu curso rotineiro, chamando “Ramon Raquelo e sua orquestra” do “salão de baile do Park Plaza” de Nova York. Nomes fictícios, claro. A banda ataca com uma dançante La Cumparsita. Logo será interrompida por nervosos e sucessivos boletins dando conta da apavorante incursão extraterrena.

casting teve 12 atores desdobrando-se em 26 papéis diferentes. Repórteres, policiais, bombeiros e até um “Secretario do Interior” foram recrutados para conferir à ameaça alienígena a necessária credibilidade. Dois cientistas buscaram, um deles de telescópio em punho, a origem dos sinistros visitantes do espaço.

Antes do intervalo convencional, paira no ar a mais terrível das notícias: uma nuvem venenosa espargida pelos aliens avança em direção a Nova York. Neste momento, todos os Estados Unidos entram em convulsão. O medo esvazia as ruas. Pessoas se fecham em abrigos anticiclone.

Os telefones da CBS não conseguem reiterar aos ouvintes apavorados que aquilo é ficção. A emissão irá terminar, assim como o livro, anunciando a derrota dos invasores. Não por obra dos homens e, sim, por micróbios existentes no planeta.

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A paranoia histérica chegara a um ponto que a direção da CBS decretou uma pausa na transmissão para explicar: “Vocês estão ouvindo a apresentação de Orson Welles e o Mercury Theater, em dramatização de A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells. A apresentação continua depois desse breve intervalo”.

Mas o estrago já estava feito. Welles tratou de dar uma entrevista na segunda-feira para livrar a CBS de qualquer responsabilidade.

“A emissora não sabia de nada e eu não avaliei as consequências. Sinto muito.”

Ainda assim, um senador de Iowa aproveitou-se do microfone aberto para exigir censura prévia para o rádio – todas as emissoras.

Manchete do The New York Times de 31 de outubro: “Ouvintes de rádio em pânico tomam drama de guerra como fato”. Historiadores atuais acreditam que o pânico foi superestimado. Mundo afora, a repercussão foi de divertida a sarcástica.

Toronto Star, do Canadá, publicou charge relacionando o surto alienígena ao pavor que acometera os americanos com os acontecimentos europeus, após o Pacto de Munique assinado pela Alemanha nazista e a Grã-Bretanha.

Mais impiedoso, The Age, da Austrália, afirmou que tal tipo de “histeria de massa só poderia mesmo acontecer da América”. O jornal não conhece o Brasil.

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