Cultura

Sem espírito

The Sea of Trees, de Gus Van Sant, explora cenário da “floresta dos suicidas”, no Japão, mas com um ponto de vista ocidental demais

Em Cannes, Gus Van Sant (esquerda) exibe novo filme com Naomi Watts e Matthew McConaughey
Apoie Siga-nos no

De Cannes (França)

Acabo de sair de The Sea of Trees, recuperando apenas hoje o filme de Gus Van Sant em competição. Como antecipei em texto anterior pela voz de colegas, sim, trata-se de um arrazoado de intenções duvidosas, situações previsíveis e falta de criatividade. Mas é possível encontrar entre um e outro desses equívocos algo interessante.

Gostei muito do ponto de partida, ainda que acione mais o registro da fantasia do que do real, em si um partido menos habitual em Van Sant. O mar de árvores do título remete a uma floresta no Japão tão ampla e densa que permite a quem queira se perder ali o cenário ideal. E para quê? O local é destino comum aos suicidas. Matthew McConaughey é o americano que chega ali com a intenção, mas encontra um japonês interpretado por Ken Watanabe. Pulsos cortados, cambaleante, sem forças, ele não dá conta de encontrar a saída depois da tentativa frustrada de se matar.

McConaughey o ajuda, e principia então uma amizade, um apoio entre ambos para retroceder, talvez tarde demais. Enquanto os dois trocam seus lamentos, há o flashback sobre o casamento em crise de McConaughey com Naomi Watts. Está neste contraponto a pior metade do filme, mas achei interessante os diálogos dos dois.

A questão é que Van Sant quis fazer um filme de espírito oriental e o que significa a morte e as tradições para os japoneses com um ponto de vista por demais ocidental, e talvez pior, americano. No sentido de como materializam tudo, e mesmo trazem uma noção de deus relacionada a conquista, ao ganho. O problema, diga-se a favor do roteiro fraco no geral, é sintetizado num longo diálogo entre os suicidas.

Curioso também que o diretor tente flertar com filmes clássicos japoneses em que a simbologia da floresta é forte, cria armadilhas a samurais ao mesmo tempo que os protege. Na verdade, acaba por renovar algum dos temas e situações de filmes seus, como Gerry, em que dois rapazes se perdiam de propósito no deserto do Grand Canyon dispostos a sucumbir. Também a Inquietos, em que a questão câncer, como aqui, resulta em um destino reparador. Não parece casual também que Clint Eastwood tenha entrada nessa toada espiritual, mas a decisão exige conteúdo muito melhor do que nos apresenta Van Sant.

Como costuma acontecer na competição dos grandes festivais, uma linha temática já começa a se desenvolver, e as florestas já estão no grego The Lobster, de uma certa forma como cenário de morte também, e agora. Ainda temos amanhã Apitchapong Weeresathakul, mas fora da competição oficial, que foi o renovador primeiro e mais competente do significado das florestas.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo