Cultura

Sem Camarões

Éramos três torcedores fanáticos naquela Copa de 82

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Os soldados argentinos tiravam o sossego dos pinguins das Ilhas Falklands, que los hermanos insistiam em chamar de Malvinas. 

Na Nicarágua, os guerrilheiros sandinistas estavam no poder, depois de varrer de vez a ditadura de Anastásio Somoza. 

Enquanto o cinema ficava mudo, sem Romy Schneider, Ingrid Bergman e Henry Fonda, os amantes do jazz se despediam de um gigante chamado Thelonius Monk. 

Mil novecentos e oitenta e dois corria, quando chegou a Copa do Mundo de futebol na Espanha. 

Tinha dois filhos pequenos ainda, mas muito interessados em saber quem era quem na competição. Em comum acordo mas, pensando bem, mais por imposição do pai, sentamos e decidimos que aquela Copa não seria igual à outra que passou. Decidido! Não iríamos torcer pro Brasil do general João Baptista Figueiredo. 

– Vamos torcer para a seleção da República dos Camarões! 

Essa foi a palavra de ordem naquele pequeno apartamento localizado no décimo-sexto andar de um prédio na Rua Sabará, esquina de Avenida Higienópolis.

Apesar de termos um time bem bom, com Cerezo, Falcão, Zico, Sócrates e Éder, decidimos que éramos todos Camarões, com Nkono, Aoudou, Onana, MBom, Ndjeyva, Kaham, Abega, Kunde, Bida, Tokoto e a estrela do time, Roger Milla. 

O menino ainda questionou porque não torcíamos pela França, país onde ele e a irmã nasceram, a França de Michel Platini, Jean Tigana e Marius Trésor. 

Fui até o balaio, peguei um exemplar da revista Actuel com uma longa reportagem sobre o futebol do Cameroun, que é como todo mundo chama a República dos Camarões. 

Fui mostrando as fotos e tentando convencer os dois que estávamos do lado dos mais fracos, dos pobres, e que iriamos torcer pra um país em que os jogadores iam pro treino de lotação porque a seleção não tinha dinheiro pra comprar um ônibus. 

A chuteira, a camisa verde, o calção vermelho e a meia amarela, eles levavam de casa e, depois do treino, voltavam com elas pra lavar no tanque, segundo a reportagem. 

Foi assim que eles se convenceram em torcer pelos camaroneses naquela Copa do Mundo de futebol que estava pra começar. 

Na Barsa, ficamos sabendo que a bandeira do país era – como o uniforme da seleção – verde, vermelha e amarela, com uma estrela no meio. Os dois pegaram uma lauda do jornal O Estado de S.Paulo, onde eu trabalhava e, no verso, desenharam e coloriram a bandeira do nosso time.

Com um hashi que sobrou do jantar japonês, fizemos o mastro, colamos a bandeirinha com Tenaz, colocamos em cima da televisão e ficamos esperando o grande momento, o momento em que o juiz apitaria o primeiro jogo de Camarões.   

O menino tinha cinco anos e a menina quatro e, sentadinhos no sofá comemos pipoca e tomamos guaraná, assistindo juntos o primeiro jogo, Camarões e Peru, zero a zero. 

Ficamos frustrados por não gritar gol, mas aliviados por não ter levado nenhum também. Veio o segundo jogo e lá estava a bandeirinha em cima da televisão, a pipoca, o guaraná e os olhinhos brilhando pra tela. E nada de gol. Polônia zero, Camarões zero.

Quando chegou o terceiro jogo, sabíamos que não ia ser nada fácil. Tínhamos pela frente a Itália. Quando Rossi cruzou a bola pro camisa 19, Graziani, e ele, com uma cabeçada certeira fez um a zero pra Itália, quase choramos.

Mas alguns segundos depois, Bida, numa jogada meio atrapalhada dentro da pequena área acabou enfiando a bola pro fundo da rede. Itália um, Camarões um.

Na hora do gol, voou pipoca pra todo lado, a bandeirinha foi arrancada de cima da televisão e sacudida na janela aos gritos de Ca-ma-rões! Ca-ma-rões! Viramos fanáticos. 

Higienópolis não entendeu nada. 

O jogo acabou e mesmo com três empates, nenhuma derrota, um gol a favor e um gol contra, a República dos Camarões estava fora da copa. 

Mas a tristeza não nos abateu. Aquele gol lavou nossa alma e a lembrança que temos daquela Copa de 82 na Espanha, certamente vai ser melhor do que essa do ano que vem na Rússia, sem Camarões.

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