Cultura

Sedução sem ilusões

Morre Antonio Tabucchi, o escritor de um continente, que considerava um privilégio poder perder tempo pelas ruas lisboetas

Saber-se transitório. Tabucchi em 2009, na tevê italiana: "A modernidade elidiu a ideia de morte"
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Antonio Tabucchi (1943-2012) considerava um privilégio poder perder tempo pelas ruas lisboetas. Gostava de olhar para as coisas, as pessoas nas ruas, as paisagens. Pelo simples prazer do ver, apanhar a vida alheia ou a imaginar, como dizia. Nascido em Pisa, Itália, era no Alentejo, Portugal, que se isolava para exercer o ofício que o transformou no mais europeu dos escritores italianos das últimas duas décadas. A dois passos de Lisboa, livre de inconvenientes como um aparelho de telefone, sentia-se fora do mundo. Foi em seu país de adoção, no ninho escolhido para “pensar noutras coisas”, que Tabucchi morreu dia 25, aos 68 anos, em decorrência de câncer.

O país que lhe concedeu nacionalidade em 2004 cedo exerceu seu fascínio sobre o estudante de línguas e filosofia. Foi ainda na Sorbonne, Paris, que lhe caiu em mãos um livro definitivo. Uma coletânea de poemas de Fernando Pessoa, por quem se apaixonou de tal forma que decidiu aprender português para poder absorver tamanho conteúdo. Tabucchi tornou-se especialista no poeta, publicou ensaios e junto com a mulher, a portuguesa Maria José de Lencastre, traduziu Pessoa para o italiano.

Autor de obras a seduzir leitores de nacionalidades variadas, como Afirma Pereira (1994), Noturno Indiano (1984) e Tristano Morre (2003), concordava com a ideia de que os escritores escrevem para si próprios e revelava sem pudor ou mágoa aparente seu descrédito em relação ao mundo literário: “Não tenho nenhuma ilusão sobre a força que pode ter um livro. Mas não vou me render”, declarou à imprensa portuguesa em 2006. “Estou convencido de que o programa desta noite do Canale Cinque, de Berlusconi, tem mais força que meu livro”.

Voraz opositor do “curioso indivíduo chamado Berlusconi”, publicou artigos combativos na imprensa internacional. Em 2011, sua voz política voltou a ser ouvida ao cancelar participação na Festa Literária Internacional de Paraty em protesto contra o governo brasileiro por não extraditar Cesare Battisti. Presente em sua obra, a questão da finitude é tratada de modo especial em seus dois últimos livros, Tristano Morre e O Tempo Envelhece Depressa. Ao se apropriar da pele de alguém a um mês do próprio fim, o personagem Tristano, Tabucchi se aproxima ainda mais de uma das grandes questões humanas. “A modernidade elidiu a ideia da morte. É uma omissão incrível. Um dos fatores mais negativos do comportamento de nossa sociedade. Deveria se ensinar às crianças na escola, da maneira mais natural, que temos de morrer.” Sabiamente, Tabucchi comungava do princípio de que se saber mortal ajuda a viver.

Antonio Tabucchi (1943-2012) considerava um privilégio poder perder tempo pelas ruas lisboetas. Gostava de olhar para as coisas, as pessoas nas ruas, as paisagens. Pelo simples prazer do ver, apanhar a vida alheia ou a imaginar, como dizia. Nascido em Pisa, Itália, era no Alentejo, Portugal, que se isolava para exercer o ofício que o transformou no mais europeu dos escritores italianos das últimas duas décadas. A dois passos de Lisboa, livre de inconvenientes como um aparelho de telefone, sentia-se fora do mundo. Foi em seu país de adoção, no ninho escolhido para “pensar noutras coisas”, que Tabucchi morreu dia 25, aos 68 anos, em decorrência de câncer.

O país que lhe concedeu nacionalidade em 2004 cedo exerceu seu fascínio sobre o estudante de línguas e filosofia. Foi ainda na Sorbonne, Paris, que lhe caiu em mãos um livro definitivo. Uma coletânea de poemas de Fernando Pessoa, por quem se apaixonou de tal forma que decidiu aprender português para poder absorver tamanho conteúdo. Tabucchi tornou-se especialista no poeta, publicou ensaios e junto com a mulher, a portuguesa Maria José de Lencastre, traduziu Pessoa para o italiano.

Autor de obras a seduzir leitores de nacionalidades variadas, como Afirma Pereira (1994), Noturno Indiano (1984) e Tristano Morre (2003), concordava com a ideia de que os escritores escrevem para si próprios e revelava sem pudor ou mágoa aparente seu descrédito em relação ao mundo literário: “Não tenho nenhuma ilusão sobre a força que pode ter um livro. Mas não vou me render”, declarou à imprensa portuguesa em 2006. “Estou convencido de que o programa desta noite do Canale Cinque, de Berlusconi, tem mais força que meu livro”.

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