Cultura

Scandurra:“Querem o país à extrema-direita que não combina com rock”

Músico do Ira! fala do ótimo novo álbum, separação e retorno da banda e as mudanças com a pandemia

Foto: de Ana Karina Zaratin/Divulgação Foto: de Ana Karina Zaratin/Divulgação
Apoie Siga-nos no

Um álbum sólido, que remete à reflexão e o momento político-social difícil. A banda Ira! deixa importante marca na música no período da pandemia, depois de 13 anos sem lançar um trabalho de inéditas.

Com esse projeto, a banda Ira! dá mais um passo à frente em relação a sua geração do rock nacional, a maioria parada no tempo e nas ideias.

As inspirações das 10 faixas desse ótimo álbum levam o nome de Edgard Scandurra, que com Nasi (voz) lidera o grupo – no novo registro, a banda é integrada ainda por Johnny Boy (baixo) e Evaristo Pádua (bateria). As músicas tomam vários caminhos.

“Mas o foco importante desse trabalho é o lado da resistência social, política. Esses momentos sóbrios que estamos vivendo todos os dias. A gente sofre ataques diários que atenta contra direitos”, diz Edgard Scandurra.

Ele comenta que desde dos movimentos de 2013 vem acompanhando a situação do país. “Muitas manifestações encabeçadas por mulheres. Envolvi-me muito com a ocupação 9 de julho (São Paulo). E com aldeia indígena guarani no Jaraguá (zone oeste da capital paulista), onde acompanhei a luta ferrenha deles pela sobrevivência num pequeno pedaço terra.”

Segundo o cantor, guitarrista e compositor, todo esse engajamento foi fundamental para inspirar as canções desse novo álbum do Ira!, o décimo-segundo, que levou o nome da banda (sem exclamação). O companheiro Nasi mostra-se bastante comprometido com o projeto.

A música Mulheres à Frente da Tropa expressa a força desse trabalho. Ela inclusive tem um clipe, gravado na Ocupação 9 de Julho.

Mulheres à Frente da Tropa, composta e cantada no álbum por Edgard Scandurra, tem um coro feminino. O clipe conta com pinturas e figuras marcantes, como Marielle Franco, Dandara, Preta Ferreira, além de mulheres representantes de movimentos sociais.

“Acho importante uma banda masculina como Ira!, que não simpatiza com o fascismo, o machismo, ter um disco que aborde esses temas e o protagonismo feminino, que se posiciona em um lado da histór
ia, o lado da liberdade, da democracia, do amor, do pacifismo”, afirma.

“É o lado o da coragem de enfrentar esse momento obscuro, que querem levar o país para a extrema-direita, que não combina com a arte, com a música, com o rock”.

A presença feminina no álbum do Ira! também aparece em duas composições que Scandurra assina com Silvia Tape (o rock Respostas e Você me Toca); na música Efeito Dominó, de Scandurra e Virginie Boutaud, ex-banda Metrô e que canta com Nasi a canção no álbum; e a faixa Chuto Pedras e Assobio, de Bárbara Eugênia e Scandurra, balada-rock que Bárbara faz duo com Nasi no trabalho.

O recomeço

A banda amadureceu bastante desde o álbum de 2007, Invisível DJ, que tinha sido o último de inéditas (Scandurra e Nasi chegaram a lançar o Ira! Folk em 2017, um trabalho ao vivo, somente de vozes e violões, de regravações).

“Em 2007 a gente vinha de uma turnê exaustiva. O disco anterior, o Acústico MTV, fez o Ira! realizar mais de cem shows em um ano. Foi uma aproximação intensa desse universo do rock, de estrada, de shows, de contato com pessoas, de álcool, de madrugadas viradas e até drogas. Foi muito difícil”, conta.

“ A gente devia ter parado, tirado umas férias. O que aconteceu foi o inverso. A gente fez um álbum (Invisível DJ), metade meio inspirado, metade sacrifício. A gente nunca tinha feito isso. É até um disco interessante, mas ele não tinha aquela emoção conceitual que todos os discos do Ira! sempre tiveram”.

Edgard Scandurra relata que o cansaço e a dificuldade em dar intensidade no trabalho do álbum Invisível DJ “gerou uma briga horrível que fez a banda parar”.

“Quando retornamos (2013), com uma nova formação da banda, a gente pegou um público muito saudoso, com vontade de nos ouvir. Aí vimos que era uma questão de honra de ter um registro de músicas novas”.

A aposta então foi de apresentar a sonoridade da nova fase, de falar do momento do Ira! e do país.

O produtor Apollo Nove mergulhou no trabalho conceitual da banda. “São 10 músicas que se completam. Pensei muito no vinil. Tem o lado A e lado B. Um disco para ouvir de cabo a rabo. Foi um trabalho muito intenso de criação”, relata Scandurra.

Pandemia

“Um disco tão intenso como esse, tão conceitual, não estava aguentando segurar. Não dava para esperar 2021”, justifica o lançamento desse novo trabalho, gravado entre o final de 2019 e início de 2020, em meio à pandemia.

“A temática contemporânea dele pediu que isso acontecesse, para expor logo para as pessoas, por que a cabeça delas está formando questões, conceitos, posicionamentos. Esse trabalho talvez possa ajuda-las que existe lado e elas podem estar desse lado”.

O músico diz estar vendo com preocupação a pandemia, com muita gente na rua e trânsito.

“Parece que a sociedade desistiu de si própria. É cada um por si. Esse governo ajuda muito nisso, quando prega liberação da arma: as pessoas pensam em si, preferem ter uma arma na cintura, se defender por conta própria”.

A banda Ira! tinha previsão de muitos shows, mas foram paralisados por conta da pandemia. “Tenho questionado meu modo vida, fazendo autocrítica grande porque era consumista descontrolado. Gastei muito dinheiro com besteira, supérfluo. Percebo que o mundo vai desandando, o egoísmo vai tomando conta. Penso em levar a vida mais simples”, conclui.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.