Cultura

“São pequenos ditadores infláveis, que a gente fura com a agulha da arte”

Multi-instrumentista Arismar do Espírito Santo resume o momento do Brasil e diz: ‘Esse pessoal quer adestrar a arte. A arte não se adestra’

Arismar do Espírito Santo (Foto: Eni Cunha/Divulgação)
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Arismar do Espírito Santo pega um instrumento, depois outro, toca alguns acordes, cria uma frase no piano, uma linguagem na percussão, uma canção no violão.

Inquietude não falta para esse multi-instrumentista continuar compondo. De família de músicos, quase 50 anos de carreira e uma dezena de álbuns solos lançados, Arismar, aos 63 anos, conta seus projetos e experiências como se tivesse recém-descoberto ser um virtuoso no trabalho de executar música.

Em Curitiba, Arismar do Espírito Santo gravou um trabalho no ano passado com Glauco Sölter (baixista) e Mauro Martins (bateria). Nesse trio, ele tocou piano e violão, e ainda fez voz entoando sons instrumentais. Parte do projeto foi gravado em estúdio fechado e outra com a presença de público.

O trabalho chama-se Cataia, referência a uma planta com atributos medicinais cujas folhas são misturadas a cachaça. A bebida é conhecida no litoral no Paraná onde o projeto desse álbum foi gestado. “É o uísque dos caiçaras. Tem um torpor no final, um jambu instrumental”, define.

Outro álbum que Arismar se integra e em breve estará também nas plataformas digitais é com a banda gaúcha Picumã. Nesse caso, Arismar fez piano e guitarra. Nesses dois trabalhos todas as composições são do multi-instrumentista, com exceção de duas na gravação com o grupo de Porto Alegre.

Esse ano será lançado ainda um trabalho gravado nos anos 1990, no exterior, com ele no baixo, Hermeto Paschoal no piano e Nenê na bateria. “Resgataram o registro e vai sair um álbum.”

Experiências

Arismar faz e cria sons o tempo todo. “Sento de manhã cedo, pego os instrumentos (há todos os tipos em sua casa), cria um padrão, um groove, um jingle autoral e vou…” Arismar diz gostar de um processo de gravação que ele chama pelo nome de cru, letras iniciais de conceito de registro único.

O multi-intrumentista considera a primeira gravação de uma música como a mais verdadeira, a mais pura, e por isso seu foco no registro inicial em seus trabalhos. A carreira começou como baterista e depois de uma canja, passou a gravar com baixista. Depois foi parar no piano. A lista com que já tocou vai de João Donato a Dominguinhos.

Essa facilidade em lidar com vários instrumentos cria um universo de possibilidades para Arismar, inclusive para improvisar durante a execução de uma música. A característica de improvisar, aliás, é uma marca desse talentoso multi-instrumentista. “O improviso é coisa séria. Precisa ser estudado. É procurar um mote, uma ideia com que está tocando ao lado. Bater bola. É uma troca, uma conversa, uma prosa. Não é só técnica. Adoro criar improviso”.

Grandes parceiros

Conta ele que uma vez um violonista com quem iria tocar mostrou um rigoroso repertório, que não tinha brechas para improvisos. Achou melhor não se amarrar às regras musicais e desistiu do trabalho. Som de cordas Arismar entende, e muito. Alguns de seus parceiros e amigos de grandes apresentações musicais são reconhecidos mestres nesse tipo de instrumento: Sebastião Tapajós, Hélio Delmiro e Heraldo do Monte.

As composições de Arismar possibilitam a improvisação, o que revela que sua característica de improvisador instrumental é permanente. Suas músicas começam tocando baixo e leve, e depois tem a dinâmica de subirem de ritmo e tom. O que parece que vai cair na melancolia, se eleva, possibilita a improvisação, que é sempre um tempo da música mais exultante e animado. “Gosto de chamar o público para a música, dançar, cantar”, resume a experiência.

Seus filhos seguem o caminho da competência. O baixista Thiago Espírito Santo e a cantora Bia Góes já criaram vida própria na carreira musical. Arismar do Espírito Santo vê o momento “truncado de ideias e de absurdos”, mas crê na arte para combater isso.

“Nego fala cada coisa. Não é opinião. Ele está ditando regras. São pequenos ditadores infláveis, que a gente fura com a agulha da arte”, diz. “Esse pessoal quer adestrar a arte. A arte não se adestra. Se você não entendeu ela, volta amanhã. A gente faz luz boa. Pode acreditar”.

Luz, afirma ele, será inclusive nome de um próximo álbum seu. Em 2017 Arismar lançou um belo álbum com a também instrumentista Léa Freire, o Flor de Sal. Não foi o primeiro e não será o último, pois ambos se admiram. E a discografia desse multi-instrumentista segue com álbuns em parceria com Jane Duboc, Toninho Horta, entre muitos outros. E conquistou um Prêmio Sharp na categoria Melhor Álbum Instrumental com o seu primeiro trabalho solo em 1993.

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