Cultura

São Luiz do Paraitinga tenta conter superlotação no Carnaval

A cidade paulista não comporta mais do que 20 mil visitantes por dia durante a folia

Bonecos do Carnaval de São Luiz do Paraitinga (Foto: Augusto Diniz)
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Ao contrário da maioria das cidades tradicionais de Carnaval no País, São Luiz do Paraitinga, no Vale do Paraíba paulista, tenta nos últimos anos limitar a presença de público na festa.

O curioso é que lá não se trata de folia com personalidade em cima de caminhão – motivo de atração de multidões -, mas blocos de marchinhas de músicos da cidade.

O Carnaval no modelo de execução somente de composições feitas localmente vem desde o início da década de 1980. Mas a produção musical na vila histórica não está ligada apenas à folia. Há intenso trabalho ao longo do ano de artistas locais em diversos eventos na cidade.

São Luiz do Paraitinga chegou a cancelar o Carnaval oficial em 2017 por conta do excesso de público. Netto Campos, diretor de Cultura do município, diz que a área urbana da cidade histórica, de pouco mais de 6 mil habitantes, tem capacidade de receber não mais de 20 mil visitantes por dia durante a folia, mas “vinham 30 mil”.

Segundo ele, “a ideia era dar mesmo uma enxugada na festa” – com o cancelamento ocorrido há dois anos. Uma série de ações foi instituída em 2018 para tentar conter o excesso de gente, como cobrança de taxas de acesso de carro de fora durante o Carnaval.

A tarefa mais difícil foi, porém, conscientizar a própria população da cidade que aluga suas casas aos foliões durante a festa, para fiscalizar seus locatários.

A prática mais comum referia-se ao fato de muitas residências receberem 20, 30 visitantes durante o Carnaval, quando, muitas vezes, o combinado não passava de três casais.

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O descontrole do número de turistas nas residências alugadas dificultava a fiscalização das várias regras do Carnaval luizense, como a não execução de músicas que não sejam marchinhas produzidas na cidade – assim, enormes caixas de som com funk eram posicionadas sem controle na porta das residências cedidas por meio de locação.

“Foi preciso criar uma convivência mais harmoniosa da cidade com o Carnaval”, explica Netto, inclusive no diálogo da festividade com o rico patrimônio histórico da vila.

As ações instituídas em 2018 prosseguiram neste ano.

Mudança de perfil

“O sucesso do carnaval traz consequências”, resume Galvão Frade, maior compositor de marchinhas de Carnaval de São Luiz do Paraitinga e um profundo conhecedor da cultura local.

O músico vê mudança no perfil do público ao longo dos anos. O crescimento do Carnaval de São Paulo, por exemplo, deixou de atrair paulistanos à cidade. Além disso, o fato de alguns municípios próximos terem adotado modelo do carnaval semelhante ao de São Luiz acabou afetando o fluxo à vila.

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“Isso tudo foi bom, de certa forma, pois enchia demais”, diz. “Mas era um problema também, pois vinha gente que não era comprometida nem se interessava pela cultura. Era um carnaval do momento, da balada, e de graça ainda. Também não se fantasiavam de chita (roupa carnavalesca típica da cidade)”.

Frade vê hoje um Carnaval frequentado por quem gosta da cidade e outro grupo formado por quem vem e volta no mesmo dia, por morar próximo, como Taubaté e São José dos Campos – aliás, há inúmeros serviços de vans e ônibus provenientes desses lugares no esquema de bate-e-volta.

Galvão Frade, músico local (Foto: Fêco Hamburger)

O compositor aponta, no entanto, que, em meio a tudo isso, ocorreu uma perda das características de alguns blocos. Os famosos bonecões continuam, porém, nas ruas.

As mudanças não se limitam apenas a folia. Frade afirma que as festas ao longo do ano na cidade também sofreram alteração.

“Em 2001, São Luiz tinha 11 grupos de folias de reis e no período do Natal eles percorriam as casas. Hoje, diminui muito. Substituir um mestre de folia não é fácil”.

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Segundo o músico, a crise econômica pode ter provocado a saída do homem da área rural de São Luiz, onde a maioria dos festejos de cunho religioso possui estreita relação, em busca de trabalho.

Ele também atribui o crescimento das igrejas evangélicas como um dos motivos do encolhimento dessa típica festa católica.

A região do Vale do Paraíba, onde se localiza São Luiz do Paraitinga, sofre influência histórica da religiosidade em torno do Santuário de Aparecida – e todos os eventos do calendário católico e o sincretismo proporcionado.

“Apesar de tudo, a congada, o moçambique, a folia de reis e das pastorinhas, a fanfarra, continuam na origem da musicalidade da cidade”. Hoje, São Luiz tem 15 grupos de música em atividade.

Paranga

O repertório base desses grupos se origina do Paranga, banda musical local que o próprio Frade integrou.

“São Luiz sempre foi ligada à tradição, às festas religiosas. Elpídio dos Santos, o compositor que nasceu na pequena vila, foi responsável também pela construção dessa base”, relata André Magalhães, músico, arranjador e produtor musical de São Paulo responsável por vários registros fonográficos de grupos locais.

“O surgimento do Paranga levou essa tradição regional para o palco. O grupo participou do Lira Paulistana (movimento cultural da capital paulista criado ainda na ditadura e palco de surgimento de vários artistas). Isso influenciou muito”.

Os festivais de marchinha e o junino (ainda realizados) foram dois projetos na cidade propulsores de vários talentos na vila, conta André.

Mas a situação especial foi a chegada da Semana da Canção (hoje não se realiza mais), onde muitos artistas locais se ascenderam por conta de intercâmbio com músicos de fora que para lá foram.

“Hoje, já tem reflexo na geração nova. A cidade tem muitos artistas. É uma cidade criativa”, avalia.

São Luiz do Paratinga é um microcosmo cultural, onde o dia-a-dia reúne a persistência da criação com a necessidade de dialogar com a tradição local, motivo de o Carnaval ser autêntico e procurado.

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