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Robert Pattinson, de ídolo juvenil a astro excêntrico

Após uma década passada no cinema de arte, tornado famoso com a saga Crepúsculo, o ator volta à lista A de Hollywood como Batman

Robert Pattinson, de ídolo juvenil a astro excêntrico
Robert Pattinson, de ídolo juvenil a astro excêntrico
O ator vive um Bruce Wayne socialmente desajeitado - Imagem: Warner Media/DC
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A primeira vista, parece uma carreira de estrela de cinema bem admi­nis­tra­da:­ a promoção de­ galã de franquia ado­les­cente para um papel de astro num filme de ­super-herói. Mas a jornada de Robert ­Pattinson desde Crepúsculo – filme que fez dele, juntamente com a coestrela e namorada Kristen Stewart, uma das pessoas mais famosas do planeta – até a última encarnação do cavaleiro das trevas ­Bruce Wayne em Batman, tem sido enigmaticamente tortuosa.

Ele fez um desvio de uma década pelo cinema de arte e de autor. Passou por papéis excêntricos – os malucos e ­esquisitos, os irresponsáveis e os basicamente inconfiáveis – antes de, finalmente, voltar a ocupar um lugar na lista A de Hollywood.

Pode ter sido uma estratégia arriscada, mas valeu a pena. Pattinson, hoje com 35 anos, aprimorou seu talento temperamental. Ele não é apenas um astro de cinema. É um ator de personagens emocionantemente imprevisíveis e ousados. E soube, ainda, alimentar algo que faz falta em sua geração: uma excentricidade revigorante.

Pattinson viu-se em uma posição financeiramente privilegiada após ­Crepúsculo, saga que teve filmes de 2008 a 2012. A suposição amplamente aceita, pela indústria e pelo público, era a de que a rede de segurança propiciada por Crepúsculo lhe permitia buscar papéis no tipo de filme que ele próprio preferia assistir, trabalhando com diretores que o inspiravam, como David Cronenberg, Claire Denis, Robert Eggers e os irmãos Safdie.

Ele dizia, no entanto, com uma crueza incomum, que as ofertas de papéis na liga principal da indústria, simplesmente, não se materializavam. E assim, tendo traçado um curso em águas artísticas, ele, efetivamente, retirou-se da lista A.

Esta última opção parece, porém, improvável. Não importa quantos papéis ­indie de matadores de gaivotas em preto e branco você faça (O Farol) ou a quantos exames de próstata você se submeta na tela (Cosmópolis), você não deixa de ser uma das estrelas mais lucrativas do planeta da noite para o dia.

No auge da fama, o ator trocava de roupas e de carros para confundir os fãs e os paparazzi

Vale a pena mencionar, neste ponto, que o peculiar e autodepreciativo ­Pattinson não é o narrador mais confiável da própria vida. Ele passou por uma fase de apimentar entrevistas com incidentes fictícios: a história traumática de testemunhar a explosão de um carro de palhaço durante uma visita ao circo na infância, por exemplo. Ou o momento em que ele alegou que foi jantar com uma perseguidora na Espanha e depois a assustou por ser uma péssima companhia.

As invenções de Pattinson têm certa inclinação para os contos surreais e quase críveis, em miniatura. Não à toa, Eggers, diretor de O Farol, compara seu senso de humor excêntrico e inexpressivo ao do comediante Andy Kaufman.

A verdade é que, mesmo que não estivesse no topo da lista A, ele, certamente, estava na lista A adjacente. Caso contrário, não teria sido escalado para ­Batman. “É inegável que ele é uma força a ser reconhecida”, diz Cindy Tolan, uma das diretoras de elenco de Batman. “Robert é um ator incrível, que possui um talento extraordinário. Em A ­Caçada, ­Cosmópolis e, depois, Bom ­Comportamento, ele mostra uma sutileza reprimida, silenciosa, uma técnica incrível.”

Mas o ator que vemos no capuz de morcego percorreu um longo caminho desde que foi o morto-vivo favorito de todos, com um tom de pele perolado e, como Pattinson apontou numa entrevista à época, alguns grandes problemas ­pessoais. “Quanto mais eu lia o roteiro, mais eu odiava aquele cara. Então foi assim que o interpretei: como um maníaco-depressivo que se odeia. Além disso, ele é virgem aos 108 anos, então, obviamente, tem alguns problemas.”

E o personagem de Crepúsculo, Edward Cullen, não era o único alvo de Pattinson. Suas escolhas posteriores podem ser vistas como uma série de contra-ataques ao status de astro do cinema e, no caso da ácida­ sátira de Cronenberg a Hollywood, Mapas para as Estrelas, contra a própria indústria cinematográfica.

Outros atores tiveram relações conflitantes com suas próprias vantagens físicas – Brad Pitt, por exemplo, prefere que o assunto de sua aparência permaneça fora dos diálogos de seus filmes. Mas poucos foram à guerra contra a própria beleza da mesma maneira que Pattinson. Suas escolhas desmantelaram sistematicamente seu apelo estelar para revelar algo mais complexo, intrigante e, às vezes, quase desagradável.

Nos cultuados Cosmópolis, de Cronenberg, e O Farol, de Eggers, o ator mostra uma técnica incrível. Com Crepúsculo, ganhou dinheiro e fama planetária – Imagem: A24/Regency, Summit e EOne

Pattinson não tem medo de abraçar os aspectos mais repulsivos de seus personagens ou de sua personalidade. Ele é, afinal de contas, um ator que lançou (falsos) rumores sobre a própria higiene e que, mesmo assim, fechou um lucrativo contrato como o rosto do perfume Dior Homme.

Em Cosmópolis, a primeira de duas colaborações com Cronenberg, seu personagem, um bilionário gerente de ativos, é, de certa forma, vampiresco, mas muito mais frio e cruel do que Cullen jamais foi. No thriller pós-apocalíptico

A ­Caçada, interpretando um fora da lei, ele se esconde atrás de dentes que parecem emprestados de um cadáver e tiques faciais. Em Bom Comportamento, seu bandido em fuga é escorregadio, suando de pânico e desespero.

Mas talvez o mais revelador de seus empreendimentos pós-Crepúsculo tenha sido Fear & Shame (Medo e ­Vergonha), comédia em curta-metragem escrita e dirigida por ele. O filme mostra o ator, cercado por fotógrafos (“um desafio de trolls!”) e pedestres curiosos, tentando atravessar Nova York para satisfazer seu desejo por um cachorro-quente. É peculiar, autogozador e tem um humor afiado. Ele também captura a qualidade isolada e desengajada que o torna tão adequado para papéis de outsider – dos quais o mais recente é o Batman.

Criado em Barnes, no oeste de Londres, supostamente expulso de uma escola preparatória por roubar e vender revistas pornográficas para colegas, e inicialmente mais interessado na música que no teatro, Pattinson despertara certo grau de atenção após a aparição como ­Cedric ­Diggory, em Harry Potter e o Cálice de ­Fogo, de 2005. Lucy Bevan, a outra diretora de elenco de The Batman, lembra: “Conheci Rob quando ele tinha 17 anos e ainda estava na escola. Era tímido, mas tinha maneiras impecáveis e era intrigante”.

“Você acorda um dia e, de repente, é uma estrela… Muito estranho”, disse, há cerca de dez anos

Mesmo tendo aparecido em Harry ­Potter, ele não estava preparado para o sucesso dos filmes Crepúsculo. A fama era do tipo que exigia estratégias de fuga: Pattinson trocava de carros e de roupas para confundir fãs e paparazzi. Não era uma situação, disse ele, para a qual estivesse preparado. “Acho que ninguém pode entender o que está acontecendo. Você acorda um dia e, de repente, é uma estrela… muito estranho.”

“É um pouco exagerado. Durante toda a minha vida, odiei multidões. Eu era uma pessoa bastante paranoica, então, realmente, não cai bem quando as pessoas estão olhando para você. Eu, realmente, não estou no trabalho certo. Não gosto que tirem fotos minhas. Não gosto de chamar atenção.”

Ator que vive de energia nervosa, ele sabe aproveitar essa paranoia inata nos filmes. E isso significa que está muito apto para explorar o que descreveu em entrevistas como uma qualidade “estranha”, socialmente mais desajeitada, em sua versão do Batman. “Há uma inclinação mais niilista nisso… está meio implícito que ele teve uma espécie de colapso”, revelou ele à GQ.

O que virá agora? Um retorno a ­Gotham é, certamente, uma possibilidade, sobretudo porque há rumores de que a Warner Bros. considera fazer uma trilogia. Mas produções desse porte são enormes e demoradas. O que pode soar como uma boa notícia para os fãs de filmes baseados em histórias em quadrinhos, não será nada bom para o cinema independente se tirar de circulação, durante vários anos, um de seus atores mais intrigantes e aventureiros. •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1199 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE MARÇO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “De ídolo juvenil a astro excêntrico”

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