Cultura
Reflexões do resguardo
Livro Viagem ao Cinema Silencioso no Brasil discute o legado do cinema pioneiro e a preservação de suas obras, que não atinge 10% dos filmes realizados


Viagem ao Cinema Silencioso do Brasil
Org. Samuel Paiva e Sheila Schwarzman
Azougue Editorial, 312 pág., R$ 42,00
Em escritos de 1957, o crítico Paulo Emílio Sales Gomes já atentava à necessidade de resguardar o patrimônio fílmico brasileiro. Para exemplificar sua discussão, citava registros da chamada Revolta da Chibata, “bastante filmado”. “O cinegrafista (Alberto) Botelho foi a bordo do navio para filmar a revolta, sobretudo João Cândido, o almirante negro (…); não existe mais um único metro de filme registrando esses acontecimentos.”
As reflexões de Paulo Emílio, que exigia a participação do poder público para fortalecer as cinematecas, vinham em razão de um trágico incidente: um incêndio no arquivo da Cinemateca Brasileira, que ele mesmo ajudou a fundar na década anterior. Mais de meio século depois, a mesma instituição abriga iniciativas que vêm ao encontro de suas preocupações. Ali nasceu há cinco anos, por exemplo, a Jornada do Cinema Silencioso, que além de exibir produções pioneiras aglutina pesquisadores e pensadores da memória cinematográfica. É em consequência dessas atividades, em grande parte, que surge este alentado volume de estudos.
Viagem ao Cinema Silencioso do Brasil principia com um balanço que contextualiza o panorama da preservação. Em Estratégias de Sobrevivência, Carlos Roberto de Souza, pesquisador da Cinemateca e organizador da Jornada, nos introduz a publicações e estimativas para concluir que “o total da produção silenciosa brasileira sobrevivente não atinge 10% dos filmes realizados”.
O livro tende à análise pontual em suas quatro seções, esboçada de início no tema de gênero pela professora Luciana Corrêa de Araújo, sobre a influência da linguagem americana nas primeiras fitas mudas locais. Compara David, O Caçula, de Henry King , 1921, a Tesouro Perdido, clássico do mineiro Humberto Mauro de seis anos depois, investigação ampliada a outros exemplares, como A Filha do Advogado (1926).
Nesse método segue a organizadora ao recorrer ao legado de Cornélio Pires para explorar os conceitos de “travelogue”, gênero moldado nas viagens, e cavação, termo para documentários de encomenda, usado para propaganda e pelas famílias abastadas para se verem registradas. Sheila é uma biógrafa de Mauro, nome por natureza recorrente no estudo do pioneirismo no País, assim como é Silvino Santos. Samuel Paiva relaciona o primeiro à atividade na influente revista Cinearte (1926-1942), na qual se detém em função do cinema de viagem, enquanto Eduardo Morettin se lança sobre três documentários do luso-amazonense Santos.
Viagem ao Cinema Silencioso do Brasil
Org. Samuel Paiva e Sheila Schwarzman
Azougue Editorial, 312 pág., R$ 42,00
Em escritos de 1957, o crítico Paulo Emílio Sales Gomes já atentava à necessidade de resguardar o patrimônio fílmico brasileiro. Para exemplificar sua discussão, citava registros da chamada Revolta da Chibata, “bastante filmado”. “O cinegrafista (Alberto) Botelho foi a bordo do navio para filmar a revolta, sobretudo João Cândido, o almirante negro (…); não existe mais um único metro de filme registrando esses acontecimentos.”
As reflexões de Paulo Emílio, que exigia a participação do poder público para fortalecer as cinematecas, vinham em razão de um trágico incidente: um incêndio no arquivo da Cinemateca Brasileira, que ele mesmo ajudou a fundar na década anterior. Mais de meio século depois, a mesma instituição abriga iniciativas que vêm ao encontro de suas preocupações. Ali nasceu há cinco anos, por exemplo, a Jornada do Cinema Silencioso, que além de exibir produções pioneiras aglutina pesquisadores e pensadores da memória cinematográfica. É em consequência dessas atividades, em grande parte, que surge este alentado volume de estudos.
Viagem ao Cinema Silencioso do Brasil principia com um balanço que contextualiza o panorama da preservação. Em Estratégias de Sobrevivência, Carlos Roberto de Souza, pesquisador da Cinemateca e organizador da Jornada, nos introduz a publicações e estimativas para concluir que “o total da produção silenciosa brasileira sobrevivente não atinge 10% dos filmes realizados”.
O livro tende à análise pontual em suas quatro seções, esboçada de início no tema de gênero pela professora Luciana Corrêa de Araújo, sobre a influência da linguagem americana nas primeiras fitas mudas locais. Compara David, O Caçula, de Henry King , 1921, a Tesouro Perdido, clássico do mineiro Humberto Mauro de seis anos depois, investigação ampliada a outros exemplares, como A Filha do Advogado (1926).
Nesse método segue a organizadora ao recorrer ao legado de Cornélio Pires para explorar os conceitos de “travelogue”, gênero moldado nas viagens, e cavação, termo para documentários de encomenda, usado para propaganda e pelas famílias abastadas para se verem registradas. Sheila é uma biógrafa de Mauro, nome por natureza recorrente no estudo do pioneirismo no País, assim como é Silvino Santos. Samuel Paiva relaciona o primeiro à atividade na influente revista Cinearte (1926-1942), na qual se detém em função do cinema de viagem, enquanto Eduardo Morettin se lança sobre três documentários do luso-amazonense Santos.
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