Cultura

Receita da felicidade

Diante de fracassos, pode ser preciso pôr a arrogância de lado e recorrer a fórmulas prontas de como preparar uma iguaria

Sentindo-me derrotado, apanhei em minha biblioteca um livro que me ajudou a fazer um molho à bolonhesa. Ilustração: Ricardo Papp
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Fazia tempo que eu não seguia uma receita. Motivo: arrogância, cabotinismo. Ocorre que minhas recentes aventuras na cozinha resultaram em pratos medíocres.

Se você cozinha, já deve ter passado por esta situação que descrevo agora: imaginamos um prato. Conseguimos de fato imaginar seu aspecto final, assim como o resultado de sabor. Não faz muito desenhei um spaghetti com frutos do mar. Não queria usar molho de tomate. Queria que cada ingrediente marinho que escolhi, camarões, lulas e vieiras, fosse salteado separadamente, posto que seus pontos de cozimento são diferentes.

Assim o fiz, mas errei na frigideira. Fundo muito espesso, boa para cozinhar e não para fritar rapidamente. Fundo espesso quando fica morno demora para retomar a temperatura e o resultado sabemos qual é: a água aparece e o que eu não queria acontece, que é o início de um processo de cozimento.

A mesma frigideira em um fogão industrial teria funcionado melhor. A lula perdeu seu ponto. A vieira encolheu e nem chegou a dourar. O camarão, o mais simples deles, deu certo. A ideia original era que todos se unissem no final, na mesma frigideira, com quartos de tomatinhos-cereja. Um manjericão rasgado e bom azeite. Sim, os frutos haviam sido salteados, na medida em que o fogo permitiu, com azeite perfumado com alho. O alho entrou antes, emprestou seu sabor e aroma e caiu fora. Falei, bem me lembro, ainda que sem lembrar quando, que existe isso, os dias nos quais tudo dá errado. Era um desses.

Teve também um coelho que tratei com enorme falta de consideração. A parte da marinada foi feita com extrema atenção, amor, carinho e afeto. E ficou boa. Mas a tal vida corrida e certa preguiça me deixaram esquecer o primo do Pernalonga na geladeira.

Dizia meu avô: quem quer faz, quem não quer, manda. Foi o que fiz. Pedi para minha funcionária fazer uma parte e eu faria a outra. Epílogo: um coelho medíocre. Uma pena. Quando provei a marinada, dias antes, fiquei feliz de verdade. Era o primeiro passo para um excelente resultado.

Na semana passada, sentindo-me justamente derrotado, passei por minha biblioteca e lá apanhei um livro que já foi citado neste Refô várias vezes. Faz parte de uma coleção que levou o nome de A Verdadeira Cozinha Italiana. E fui atrás de uma receita de molho à bolonhesa.

No mês passado, eu havia me frustrado seriamente em um restaurante perto de casa que me serviu um desses bem ruim. Muito tomate e pouquíssima carne. Restaurante caro. Logo, aquela era realmente a opção do chef e não uma medida econômica.

Já fiz esse molho várias vezes, mas, repito, fazia muito tempo que não seguia uma receita. Duzentos gramas de carne de boi (escolhi alcatra), 200 de carne de porco (escolhi lombo), meia cebola picada, uma cenoura picada, um talo de salsão, 50 gramas de manteiga, 50 gramas de toucinho fresco (substituí por azeite), um copo de vinho tinto, um copo de leite, uma colher de sopa de extrato de tomate e caldo de carne.

A cenoura, a cebola e o salsão são refogados na manteiga e no azeite. Depois entram as carnes, moídas. Mexe aqui, mexe ali e chega a hora do vinho. Fogo alto para o álcool evaporar. Aí vem o caldo. Não muito. O suficiente para cobrir a carne. Fogo baixo por 15 a 20 minutos. Veja como está o nível de molho. Mais um copo de caldo, no qual você dilui a colher de sopa de extrato de tomate. Deixa mais uns 15 minutos e acrescenta o leite. Mais 20 minutos e eu te digo, fazendo rima: voltei a ficar feliz com um prato que fiz.

Fazia tempo que eu não seguia uma receita. Motivo: arrogância, cabotinismo. Ocorre que minhas recentes aventuras na cozinha resultaram em pratos medíocres.

Se você cozinha, já deve ter passado por esta situação que descrevo agora: imaginamos um prato. Conseguimos de fato imaginar seu aspecto final, assim como o resultado de sabor. Não faz muito desenhei um spaghetti com frutos do mar. Não queria usar molho de tomate. Queria que cada ingrediente marinho que escolhi, camarões, lulas e vieiras, fosse salteado separadamente, posto que seus pontos de cozimento são diferentes.

Assim o fiz, mas errei na frigideira. Fundo muito espesso, boa para cozinhar e não para fritar rapidamente. Fundo espesso quando fica morno demora para retomar a temperatura e o resultado sabemos qual é: a água aparece e o que eu não queria acontece, que é o início de um processo de cozimento.

A mesma frigideira em um fogão industrial teria funcionado melhor. A lula perdeu seu ponto. A vieira encolheu e nem chegou a dourar. O camarão, o mais simples deles, deu certo. A ideia original era que todos se unissem no final, na mesma frigideira, com quartos de tomatinhos-cereja. Um manjericão rasgado e bom azeite. Sim, os frutos haviam sido salteados, na medida em que o fogo permitiu, com azeite perfumado com alho. O alho entrou antes, emprestou seu sabor e aroma e caiu fora. Falei, bem me lembro, ainda que sem lembrar quando, que existe isso, os dias nos quais tudo dá errado. Era um desses.

Teve também um coelho que tratei com enorme falta de consideração. A parte da marinada foi feita com extrema atenção, amor, carinho e afeto. E ficou boa. Mas a tal vida corrida e certa preguiça me deixaram esquecer o primo do Pernalonga na geladeira.

Dizia meu avô: quem quer faz, quem não quer, manda. Foi o que fiz. Pedi para minha funcionária fazer uma parte e eu faria a outra. Epílogo: um coelho medíocre. Uma pena. Quando provei a marinada, dias antes, fiquei feliz de verdade. Era o primeiro passo para um excelente resultado.

Na semana passada, sentindo-me justamente derrotado, passei por minha biblioteca e lá apanhei um livro que já foi citado neste Refô várias vezes. Faz parte de uma coleção que levou o nome de A Verdadeira Cozinha Italiana. E fui atrás de uma receita de molho à bolonhesa.

No mês passado, eu havia me frustrado seriamente em um restaurante perto de casa que me serviu um desses bem ruim. Muito tomate e pouquíssima carne. Restaurante caro. Logo, aquela era realmente a opção do chef e não uma medida econômica.

Já fiz esse molho várias vezes, mas, repito, fazia muito tempo que não seguia uma receita. Duzentos gramas de carne de boi (escolhi alcatra), 200 de carne de porco (escolhi lombo), meia cebola picada, uma cenoura picada, um talo de salsão, 50 gramas de manteiga, 50 gramas de toucinho fresco (substituí por azeite), um copo de vinho tinto, um copo de leite, uma colher de sopa de extrato de tomate e caldo de carne.

A cenoura, a cebola e o salsão são refogados na manteiga e no azeite. Depois entram as carnes, moídas. Mexe aqui, mexe ali e chega a hora do vinho. Fogo alto para o álcool evaporar. Aí vem o caldo. Não muito. O suficiente para cobrir a carne. Fogo baixo por 15 a 20 minutos. Veja como está o nível de molho. Mais um copo de caldo, no qual você dilui a colher de sopa de extrato de tomate. Deixa mais uns 15 minutos e acrescenta o leite. Mais 20 minutos e eu te digo, fazendo rima: voltei a ficar feliz com um prato que fiz.

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