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Raça, gênero e literatura

Em um conjunto de textos escritos a partir de experiências cotidianas, Christina Sharpe, nascida nos EUA e radicada no canadá, discute o que é ser negra atualmente

Raça, gênero e literatura
Raça, gênero e literatura
Racismo. A autora busca a dimensão política de sua vivência – Imagem: Rachel Eliza Griffiths
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Christina Sharpe começa seu Notas Ordinárias com uma epígrafe de Toni Morrison. Nada mais oportuno. Afinal de contas, a Nobel estadunidense não apenas será novamente mencionada diversas vezes nas 500 páginas do livro, como servirá de referência para discussões que a autora levantará em suas notas.

Construído de forma caleidoscópica, o livro traz pensamentos sobre raça e gênero que Christina assenta no mundo real. Nascida na Pensilvânia, e radicada no Canadá, onde é professora, a autora mergulha e mapeia o que é ser uma negra no seu país-natal nos dias de hoje. Transitando entre a denúncia e a ironia, ela vai da herança escravocrata ao Black Lives Matters, passando por pequenas histórias do dia a dia.

Ao longo dos 248 textos, Christina fala, na maior parte das vezes, a partir de suas experiências como uma mulher negra e homossexual – como Morrison, aliás. Seu objetivo é, por meio das próprias vivências, atingir o coletivo, mas, é claro, sem deixar de lado as especificidades individuais.

“Parte do trabalho da supremacia branca e da antinegridade é nos atolar nas mesmas conversas, nas mesmas conjunturas, em referência às nossas vidas; as mesmas vidas que tais forças tentam controlar, ocupar, possuir, usar e, por fim, destruir”, escreve.

Notas Ordinárias. Christina Sharpe. Tradução: Jess Oliveira. Editora Fósforo (480 págs., 109,90 reais) – Compre na Amazon

A tradutora Jess Oliveira, além de verter o texto do inglês para o português, fez notas de rodapé e comentários que enriquecem a leitura que, por si, já nos induziria a pesquisar sobre pessoas e lugares evocados no texto.

A prosa hipnótica é fruto da facilidade que a autora tem em encontrar o tom para narrar a experiência identitária negra em países como o Canadá e os Estados Unidos, extraindo, do próprio cotidiano, a dimensão política daquilo que retrata.

E isso pode acontecer tanto na visita a um museu quanto no resgate da história de Emmett Louis Till, morto por linchamento em 1955. Ou ainda no relato da opção de sua mãe, Mamie Carthan Till-Mobley, por fazer um velório com caixão aberto para que todo mundo visse o rosto de seu filho brutalmente desfigurado.

Notas Ordinárias é uma leitura que joga luz sobre questões urgentes do presente, iluminando discussões e levantando questões falsamente superadas. Que Sharpe faça tudo isso com qualidades literárias torna o livro ainda mais precioso. •

Publicado na edição n° 1329 de CartaCapital, em 25 de setembro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Raça, gênero e literatura’

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