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A indignação do meu amigo que se julga patriota e a animosidade imbecil contra os países vizinhos

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Depois de um elogio que fiz à Argentina, por uma razão qualquer de que não me lembro, provavelmente fútil, um suposto amigo presente perguntou-me por que não vou morar do outro lado do rio da Prata. Como é fácil para algumas pessoas resolver as questões sociais deste mundo! Não respondi na hora, porque ele bradava algumas coisas ofensivas e estava muito exaltado. Se não me agrediu fisicamente foi porque alguns amigos comuns resolveram intervir no caso, posicionando-se entre nós dois. Não gosto de conversar com pessoas exaltadas, principalmente porque sou uma delas e sei o esforço que é dominar a exaltação.

Respondo agora, meu caro amigo. Não vou morar na Argentina porque amo meu país, o país que me viu chegar ao mundo. Por maior que seja minha admiração por outros lugares do mundo (e não são muitos), é aqui que quero enterrar meus ossos. Não vou largar meu país em troca de outro. O que quero, meu caro amigo exaltado, isso sim, é transformar o Brasil em uma Argentina.

E você, que já começa a ficar espantado, antes de se exaltar, veja se me entende.

Estou falando de IDH. Índice de Desenvolvimento Humano. São fatores do IDH, medido pela ONU e não por algum partido da oposição ou da situação no Brasil, taxas de adultos alfabetizados, variação do PIB per capita, taxas de matrículas e expectativa de vida. Quero eu crer que a classificação estabelecida pela Organização das Nações Unidas seja confiável.

No ranking mundial, a Argentina está em 36º. lugar, isto é, segundo os parâmetros  da ONU, entre os países de Alto Desenvolvimento Humano. Ela e mais seis países latino-americanos desfrutam dessa posição. Note bem, meu caro patrioteiro, mais seis países da América Latina desfrutam de Alto Desenvolvimento Humano. 

O Brasil ficou em 69º. lugar, ao lado da Colômbia, Bolívia, Timor Leste, Uganda, ou seja, entre os países de Médio Desenvolvimento Humano.

Mas eu sei qual a causa da indignação do amigo que se julga patriota. Diferentemente do que se costuma afirmar sobre a ciência do bem viver, ou seja, seguir uma política de boa vizinhança, no Brasil, e com a conivência da grande mídia, cria-se uma animosidade imbecil contra nossos vizinhos, como se isso nos botasse melhores do que nós somos.

Abaixo de nossa classificação, ou países de Baixo Desenvolvimento Humano, apenas os mais miseráveis do mundo.

Quantas décadas (ou séculos) vamos ter de trabalhar até chegar a um 36º. lugar? Eu, você, acho que nós não vamos viver tanto para ver isso acontecer

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