Cultura

Quem mora torto sou eu

Um desdobramento surrealista para uma proposta curiosa

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“Eu nasci pequenininho/ Como todo mundo nasceu/ Todo mundo mora direito/ Quem mora torto sou eu/ Eu não tenho onde morar/ E é por isso que eu moro na areia.”

Você, caro jovem, que tem menos de 40 anos, não chegou à Terra a tempo de cantar essa música do Dorival Caymmi, e, se duvidar, não conhece o compositor. Azar o seu.

Nesta mesma coluna, mas há bastante tempo, bem antes do Ibama e da Igreja se ocuparem do assunto, comentei que o homem invadiu o espaço das pombas e agora elas invadiam o espaço do homem.

Sei que estou me repetindo, mas o assunto não sai da pauta, e, resistir, quem há-de? Acabo de ler em um jornal “… uma representação pedindo que se proíba qualquer medida que prejudique as aves.” O caráter genérico do pedido permite-me propor um desdobramento surrealista, mas como vivemos em um país surreal, não sei, não.

Os órgãos competentes, depois de analisar a representação de outros órgãos competentes, determinaram: a) é proibido buzinar nas imediações das praças onde as aves repousam; b) depois das 22 horas, nenhum automóvel com motor à explosão pode aproximar-se da praça, seja ele movido a gasolina, álcool, óleo diesel ou qualquer outro combustível que emita gases e cuja explosão provoque ruídos; c) transeuntes de altas horas, bêbados ou não, não terão mais permissão para soltar gargalhadas ou bradar em altas vozes, mesmo que seu time acabe de conquistar o campeonato estadual.

Tais itens deverão fazer parte do código de posturas municipais, mas apenas se a Câmara Federal não abraçar a causa. As aves são seres vivos. Está certo que pulgas e percevejos também são, mas isso já é outra história. Como o caso dos ratos, por exemplo, tão perseguidos pelos bichanos.

Com o advento de tais transformações nas leis que regem o município, quiçá o país, meu amigo Adamastor juntaria a esposa e o filho, meu afilhado, e iria morar nas barrancas do Rio Pardo, onde restaram algumas árvores nativas. Seu exemplo seria seguido por toda a população.

Nós, os neosselvagens cedendo sem luta ou relutância o espaço urbano que por séculos foi ocupado por seres humanos. Até que um dia as pombas, em assembleia ali na praça principal transformada em ágora, propusessem uma lei columbina em que se proibisse a perturbação dos humanos.

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