Cultura
Que tal trocar a hashtag #blacklivesmatter pela do #poderpreto?
Monkey Jhayam, da periferia de São Paulo, dá a nota da realidade com a força do ‘afrochoque’
Monkey Jhayam frequentava desde cedo, em São Mateus, no extremo leste de São Paulo, festas de hip hop, com a presença de grupos como Consciência Humana e De Menos Crime. Em 2003, passou a integrar a Cobain (Cooperativa de Bandas Independentes) do ABC, muito ligada na época ao movimento punk, onde pode se envolver em ações sociais e na música.
“Todo esse aprendizado naturalmente me direcionou a trazer esses projetos inclusivos para dentro do meu trabalho”, diz. “Para um artista da periferia, além de conseguir fazer sua arte, poder multiplicar esse ciclo de agentes culturais é uma vitória muito grande”.
Hoje, o músico reúne na carreira seis álbuns, dois EPs e alguns singles, dois deles lançados recentemente. Um chama-se Afrochoque. Diz a letra: “Afrochoque chegou pra combater / Na batida que veio afrontar / Afrochoque de realidade / Para resistir e questionar”.
Em outro single, o 2020 Volts, também lançado por estes dias, o artista canta: “É fato, no trato / Registro aqui meu relato / Esse papo torto sem eira nem beira / Me cheira a estelionato / É fake, de fato / 171 que nem mato / Vários querendo chegar em primeiro a milhão na corrida de ratos / Propaganda que engana e manipula / Plano de governo que apoia a ditadura, espalhando medo e desespero pelas ruas / 2020 volts, 2020 volts”.
Sound systems
A voz tem força político-social e compreensão da realidade. “Estava pensando esses dias aqui comigo mesmo, essa galera divulgando a hashtag #blacklivesmatter etc. e tal. Tudo bem, tudo que trouxer o debate à tona para uma discussão saudável vale a pena, mas cadê o #blackpower como nos anos 1970? Vejo muitas coisas erradas aí e essa concepção precisa mudar, criar novas possibilidades de um futuro onde nosso povo tenha autoestima, coragem, protagonismo, força, conhecimento e que alcance cada vez mais lugares antes nunca acessados, ocupando posições de poder: #poderpreto”.
O músico é um dos expoentes da chamada cultura sound systems, que reúne bailes blacks, aparelhagens, radiolas, festas de comunidades, block party (festa de rua) e música da diáspora.
“Cultura do sistema de som é tudo isso. Acredito que cada equipe ou coletivo que levanta suas caixas pelas praças da cidade são como navios: todo público presente dançando juntos, independente de suas diferenças, e ouvindo música. É uma tripulação”, compara.
“Essa tripulação está sendo educada para voltar para a casa, para as origens, para as raízes, para África. Não no sentido geográfico, mas metafísico e espiritual. As mensagens que são amplificadas por um sistema de som. São mensagens poderosas de libertação, história, autoconhecimento e que nos conectam com o que realmente somos e de onde viemos”.
Jean Marcus ou Monkey Jhayam tem uma voz vigorosa. Se autoproduz na quebrada, de forma silenciosa aos ouvidos dos que não querem escutar a periferia. Mas faz barulho desde 2010 com gritos de independência para outro punhado de pessoas que importam, indo cada vez mais longe com suas mensagens e palcos além de seu gueto, com uma sonoridade que reúne batidas africana e caribenha e os beats dos subúrbios.
Em novembro de 2016, Monkey Jhayam assinou contrato com o Delicious Vinyl, antigo selo independente de Los Angeles, para lançamento de singles e álbuns – um último foi lançado em julho. A gravadora trabalha com artistas na linha do hip hop alternativo.
Apesar de ter avançado com trabalhos no exterior, Jhayam tem muitas preocupações locais, como “o oportunismo dos políticos de aproveitar o isolamento social para superfaturar”, das queimadas pelo país afora e “o genocídio do índio e do povo preto nas margens da cidade que ao invés de diminuir na quarentena, aumentou”.
E alerta para as próximas eleições municipais: “Tomara que esse relaxamento do isolamento agora em outubro não seja só pensando nessa época de eleições, para geral poder ir votar e depois ter que voltar para quarentena novamente”.
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