Cultura

assine e leia

Quão difícil é partir, quão difícil é ficar

Horas Azuis narra o contato virtual entre uma mãe e uma filha separadas por 6,5 mil quilômetros de distÂNCIA

Quão difícil é partir, quão difícil é ficar
Quão difícil é partir, quão difícil é ficar
Bruna ganhou, em 2023, o National Book Award de melhor tradução – Imagem: Ashley Pieper
Apoie Siga-nos no

Em 2023, quando ganhou o ­National Book Award de melhor tradução para A Palavra Que Resta, de Stênio Gardel, a escritora Bruna Dantas Lobato já trabalhava em Horas Azuis, seu primeiro romance. Embora ela tivesse, antes, vertido para o inglês obras como O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório, e Morangos Mofados, de Caio Fernando Abreu, foi com o prestigioso prêmio que seu nome despontou no meio literário.

Não chegou a ser surpresa, portanto, a ótima acolhida que teve sua estreia, com Horas Azuis, que foi lançado na Festa Literária Internacional de ­Paraty (Flip) e vem, desde então, recebendo os louros que merece.

Filha de mãe solo nascida no interior da Paraíba e criada em Natal (RN), Bruna contou, em uma entrevista dada a CartaCapital logo após o National Book Award, que começou a aprender inglês sozinha. Na adolescência, ela ganhou a concorridíssima bolsa do Programa Jovens Embaixadores, do Departamento de Estado dos EUA.

Começava a ser ali pavimentado o caminho real da jovem brilhante que se tornaria aluna bolsista numa universidade norte-americana. Horas Azuis, o romance, começa justamente com a chegada da narradora a um campus.

De cara, ao quarto das colegas, “cheio de si, transbordando com estampas, formas, recordações”, contrapõe-se o seu, com lençóis brancos e um solitário abajur azul-marinho. E às imagena dos filmes de adolescentes norte-americanos contrapõe-se a cena recorrente de uma filha que, quando não está na biblioteca, entre estantes de livros, está no quarto, no Skype, a falar com a mãe.

Horas Azuis. Bruna Dantas Lobato. Companhia das Letras (144 págs., 79,90 reais)

O eixo da narrativa é a relação entre uma mãe e uma filha separadas por 6,5 mil quilômetros de distância física e uma imensurável distância de experiências. Pela janela do Skype, vê-se o céu muito azul e o sol muito forte. Pela janela do quarto, os pinheiros do lado, as folhas secas no chão, os flocos de neve a cair.

O livro divide-se em três partes: filha, mãe e reencontro. Cada uma delas tem um ritmo e um tom. É como se o relato fluísse de uma tensão delicada, construída a partir da expectativa em torno do devir, a um flerte com os romances de formação.

“Qual seria a soma dessas pequenas mudanças?”, pergunta-se a jovem, diante do que a autora chamará a certa altura de “duas vidas” – título do livro em inglês, inclusive. “Em quem e no que eu estava me tornando, e com tanta facilidade?”

Seja ao escutar a voz morna da mãe seja ao escrever, Bruna parece buscar dar forma às lembranças de quem era para, assim, também entender quem se tornou. Nesse pêndulo, a narrativa de Horas Azuis não só nos embala como faz com que nos vejamos refletidos nela. •

Publicado na edição n° 1384 de CartaCapital, em 22 de outubro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Quão difícil é partir, quão difícil é ficar’

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo