Cultura

“Prefeitura do Rio é hostil ao carnaval e se exime”, diz pesquisador

Estudioso de circulação da música na sociedade, Felipe Trotta vê ‘romantização’ da folia

Carnaval de rua do Rio de Janeiro (Foto: Fernando Maia/Riotur)
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Ao observar o crescimento do carnaval de rua no Brasil nos últimos anos, vê-se mudanças de perfil da festa e questionamentos na forma de sua realização.

No Rio de Janeiro, onde a folia de rua no início desse século foi ganhando novos contornos, impulsionando o modelo em cidades como São Paulo e Belo Horizonte, percebe-se, num primeiro momento, uma desassociação clara do evento com o samba e marchinhas, com o surgimento de blocos de músicas dos Beatles, Tim Maia e Raul Seixas, além de apresentação de artistas em trios elétricos não definidos como sambistas nem ligados historicamente ao carnaval.

“A desassociação com o samba tem a ver com a ampliação do carnaval. Com um número maior de pessoas, vai diversificando o repertório. Por outro lado, as festas de rua de carnaval sempre tiveram repertório variado. Antes da consolidação das marchinhas, vários ritmos eram tocados”, ressalta Felipe Trotta, mestre em Música e doutor em Comunicação e Cultura.

Professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Trotta tem livros lançados sobre música popular e seus estudos se centram na circulação da música e suas relações com a sociedade e o mercado.

“Em parte, pode-se também explicar o fato de alguns blocos tocarem repertórios não ligados historicamente ao carnaval pela dificuldade de renovação. Ainda que existam marchinhas e sambas que sejam compostos por blocos para o carnaval, elas não ganham popularidade. Então toca-se marchinhas conhecidas compostas até os anos 1970 ou outra música conhecida.”

Segundo Trotta, isso é um problema também que acontece com o frevo. Embora no Recife haja concursos anuais, nas ruas durante o carnaval só se ouve os frevos de sempre.

“As pessoas compõem novas marchinhas e artista lançam frevos. Mas não ganham popularidade. Falta divulgação. Isso é um problema. Aqueles blocos que não têm som e as pessoas precisam cantar para acontecer, passa a tocar as músicas que todo mundo conhece.”

Festa democrática?

A palavra democrática tem sido muito usada para definir o carnaval de rua, com número expressivo de foliões e bastante plural nos ritmos e estilos.

“Na verdade, ela (a palavra democrática) tem sido utilizada para contrapor modelos de festa carnavalesca de cobrança de ingresso. Essa é a motivação, por ser de graça, abrindo para qualquer público. Não há restrição financeira, a princípio. Nesse sentido, é mais aberto (o carnaval de rua) do que o baile de clube, o bloco de cordas (que cobram abadás) ou o próprio sambódromo.”

Segue o pesquisador: “É um movimento interessante, de ocupação da rua. A ideia de inversão. O folião despe-se de determinados papeis sociais e ocupa outros”.

Felipe Trotta lembra, no entanto, que o carnaval gera uma série de distúrbios na circulação das cidades e para as pessoas que moram nelas.

“Nesse caso, o poder público pode atuar para tentar conciliar os interesses, organizar onde tem bloco e onde não tem, colocar banheiro, segurança, desviar trânsito.”

O pesquisador, porém, identifica nos últimos anos governos com certa “inércia e aversão” ao carnaval. E cita a Prefeitura do Rio de Janeiro como exemplo.

“Infelizmente ela não tem essa percepção. Ela é hostil ao carnaval e se exime. Ou quando entra é para reprimir. Quando se tem um evento com potencial de dar problema e existe preocupação nas ruas, quando o poder público não está presente, aumenta-se o problema.”

O estudioso avalia a importância do poder público na sua organização: “Uma questão que os organizadores de blocos passam por cima é o fato de o carnaval ser uma festa de liberação e isso tem potencial de gerar violência, problemas sociais. A omissão do poder público é duplamente problemática nisso: ele deixa de prover itens importantes para organização da festa e aumenta as chances de os problemas se potencializarem, como brigas e assédio entre foliões, e com as pessoas que não participam da festa e tem, por exemplo, que se deslocar pela cidade”.

Ele comenta que há certa “romantização” da folia por conta de não se incluir seus problemas. “Tem que desmistificar que é tudo democrático. Mas reforço: na minha opinião o saldo final é muito positivo. É um período limitado, de exceção e feriado. É importante em termos sociais e econômicos. Gera uma energia na cidade. Só não é desprovida de problema.”

Indústria beneficiada?

No carnaval de rua do Rio, ainda que a Prefeitura anuncie o circuito autorizado de blocos, com os percursos, onde teoricamente o poder público dará apoio, há muitos blocos que saem pelas ruas sem informar nada.

“Tem blocos que rodam caixinha na hora do desfile para pagar os músicos”, cita, fazendo contraponto aos blocos em cima de trios elétricos que saem pelas ruas arrastando multidões, muitas vezes com patrocínios e apoio da produção do artista.

Mas Felipe Trotta ainda vê incipiente a participação da indústria do entretenimento no carnaval de rua carioca. O braço forte que ele verifica na cidade é a participação de marcas de cerveja, inclusive controlando as vendas de ambulantes de produtos da patrocinadora que fechou acordo com a Prefeitura.

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