Cultura
Por um labirinto de lutas e sonhos
Ao estrear na ficção, a poeta espanhola Elena Medel lança um olhar agudo sobre os lugares ocupados pelas mulheres nas últimas seis décadas


Quando Pedro quis convencer María, uma das protagonistas de As Maravilhas, a morar com ele, apelou: “Pense pelo lado do dinheiro”. O narrador, por sua vez, concluiu: “É isso que importa, o de sempre: o lado do dinheiro”.
Em sua primeira ficção, a poeta Elena Medel, nascida em Córdoba, na Espanha, e radicada em Madri, cria uma história multigeracional que tem, no centro, três mulheres de uma mesma família às voltas com dificuldades financeiras e o universo do trabalho.
O livro não chega a ser uma saga familiar, pois é um texto mais intimista, mas traz um olhar bastante agudo sobre os avanços da luta feminista.
Alícia é uma jovem que trabalha em uma lanchonete numa estação de trem em Madri. Sua mãe, Carmen, casou-se bem e viveu uma vida de classe média alta, com conforto, até o suicídio do marido, cheio de dívidas.
AS MARAVILHAS.Elena Medel. Tradução: Rubia Goldoni. Todavia (192 págs., 64,90 reais)
Sua avó, María, saíra de Córdoba, onde morava, no fim dos anos de 1960. Deixara a filha recém-nascida com parentes e migrou para Madri, onde, entre um trabalho e outro, de cuidadora a faxineira, engajou-se em lutas sociais.
Por meio da trajetória dessas três figuras, a autora resgata as conquistas, avanços e permanências na posição da mulher na Espanha dos últimos 60 anos. Com estrutura bastante fluída, As Maravilhas tem uma narrativa que circula no tempo e no espaço, alternando vozes, e traçando paralelos entre gerações.
María e Alícia, por exemplo, fazem o mesmo movimento migratório, saem da mesma cidade rumo a Madri. Os motivos que as levam a fazer isso são, porém, diferentes. Ambas têm ainda dúvidas semelhantes. Por exemplo: morar ou não morar debaixo do mesmo teto do namorado? Os anos que as separam lhes dão consciências e opções distintas.
A trama embaralha personagens e espelha suas trajetórias, mergulhando assim o leitor em um labirinto de fatos e reflexões. Trata-se de um recurso ousado, e que nem sempre funciona bem.
Poeta experiente, Elena Medel alcança, em As Maravilhas, momentos bastante bonitos, especialmente na construção de frases e na escolha precisa das palavras. Por outro lado, a narrativa, às vezes, parece girar em falso, repetindo fatos e motivos que, mais do que obter um efeito narrativo forte, acabam truncando a experiência de leitura.
É como se sua prosa envolvente pedisse o aparo de algumas arestas para ficar ainda mais cortante. A autora revela-se, de toda forma, uma romancista corajosa, sagaz e repleta de ideias. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1194 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE FEVEREIRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Por um labirinto de lutas e sonhos”
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