Cultura
Polícia não foi mais firme para evitar tumulto, diz comandante
Ao comentar os atos de violência na virada, Mano Brown afirmou: O rap precisa de gente de caráter, não de malandrão
A edição 2013 da Virada Cultural, realizada entre sábado 18 e domingo 19, levou mais de 4 milhões de pessoas para as ruas do centro de São Paulo, um público recorde. Do ponto de vista das atrações, “tudo ocorreu de forma quase impecável”, conforme avaliou o prefeito Fernando Haddad (PT). Foram 900 atrações, com palcos que iam do rock n’ roll ao brega, passando pela Nova MPB e Black Music, além de diversas intervenções artísticas. Mas, com dois mortos, seis esfaqueados e três baleados, foi a violência o assunto mais comentado da 9ª edição do evento.
Os números foram divulgados pela Secretaria de Segurança Pública no final da tarde de domingo. Ao todo, 28 adultos e 9 adolescentes acabaram presos; 1.800 pessoas foram atendidas por equipes médicas e 260, removidas do local para hospitais da região.
A madrugada foi o período com o maior número de ocorrências. A reportagem presenciou três arrastões e brigas próximos aos palcos do Largo do Arouche, Avenida São João e Praça da República. A polícia estava presente no local, mas não pôde fazer muita coisa. “É muita gente, e tem pontos escuros, é difícil identificar quem está fazendo isso. Eles se misturam rapidamente à multidão”, afirmou um PM que estava parado na esquina da São João com a Ipiranga.
Haddad reconheceu que houve mais ocorrências do que o esperado, mas considerou isso normal devido ao grande número de pessoas reunidas no mesmo bairro por um curto período de tempo. “Este ano, tivemos um aumento da quantidade de pessoas dispostas a roubar. O comportamento delas muda. Pessoas que não vinham vieram à Virada com propósitos diferentes”, afirmou o prefeito. “Mas não podemos nos intimidar. Temos de ir para as ruas.”
Neste ano, o contingente policial foi de 3.424 homens, 350 a mais do que no ano passado, e 1.400 guardas-civis metropolitanos. O reforço, porém, não foi garantia de segurança para o público. Muitas pessoas reclamaram da omissão dos agentes em situações em que delitos ocorriam a poucos metros de distância. “A PM tem expertise em policiamento de multidões. O comportamento dos protagonistas dos roubos, contudo, transcende qualquer planejamento”, minimizou o coronel Reynaldo Simões Rossi, comandante do policiamento da região central durante o evento.
Para o coronel, PMs não reagiram com firmeza diante dos crimes porque o tumulto poderia ter sido maior. “Há procedimentos a ser seguidos para evitar problemas mais sérios. Um policial correndo atrás do ladrão pode ser pior do que o roubo em si”, afirmou. Rossi garantiu que as ações do trabalho policial foram na justa medida, dado o contexto. “Não digo em sutileza nem em leniência da ação policial.”
Cultura da periferia. Uma das atrações mais esperadas da Virada 2013 foi o retorno dos Racionais MC’s. Diferentemente da participação em 2007, quando o público e a PM entraram em conflito durante uma apresentação do grupo na Praça da Sé (transformando o local em uma praça de guerra), o líder Mano Brown usou parte do tempo do show de domingo à tarde no palco Júlio Prestes para criticar a violência registrada durante a madrugada.
“Eu estive aqui ontem à noite e vi muita covardia. Todo mundo fala da polícia, todo mundo fala do sistema, mas eu vi vários malandros ramelando no centro. Se roubando, se desrespeitando, se saqueando”, lamentou Brown, diante de uma multidão. Para ele, as pessoas recebem uma educação do século 19 e o Brasil nunca teve um projeto de libertação para os pretos. “A gente tem que se capacitar. Porque o que eu vi ontem no Centro tá longe de ser uma evolução. O rap precisa de gente de caráter, não de malandrão.”
A forte presença da cultura da periferia foi uma das grandes novidades da programação desta Virada. Funk, hip-hop, saraus e coletivos culturais estiveram dispersos por diversos palcos e pistas, atraindo milhares de pessoas. Para o Secretario Municipal de Cultura, Juca Ferreira, esta é uma maneira de introduzir e respeitar o protagonismo cultural existente nessas regiões. “Associar o funk e o hip-hop à violência e à marginalidade é um equívoco. Nesses palcos não aconteceu nada. Pelo contrário, o hip-hop mostrou que sua presença só engradece a festa”, afirmou o ex-ministro da Cultura.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Juca Ferreira disse que houve méritos na Virada deste ano e que a ideia de curadoria é um ganho, mas vê espaço para usar lugares mais seguros nas próximas edições.
“Vejo como possibilidades de melhorar a programação e concentrá-la, durante as madrugadas, em locais mais seguros. Não abolir o show na rua, mas fazer um planejamento com a polícia. Cruzar o mapa de ocorrências com o da Virada para fazer um trabalho técnico de localizar problemas de segurança. E o centro precisa de uma iluminação melhor.”
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