Pianista supera barreira racial, chega ao 3º álbum e grava compositores históricos

'Nessa batalha sem fim recebo mensagens de jovens músicos dizendo que sou fonte de inspiração'

Hercules Gomes (Foto: Selo Sesc/Divulgação)

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Hercules Gomes chega ao seu terceiro álbum. Dessa vez gravou Amélia Brandão Nery, a Tia Amélia, pianista e compositora ligada ao choro, falecida em 1983.

Em 2018, o músico interpretou com seu piano a obra de Chiquinha Gonzaga. O trabalho fazia referência aos 170 anos de nascimento da também pianista, compositora e uma das pioneiras do choro.

O músico ainda desenvolve um projeto de outro chorão histórico, de complexas composições ao piano: Ernesto Nazareth (1863-1934).

O primeiro álbum saiu em 2013 com canções suas. Antes, chegou a gravar quatro trabalhos com grupos de música instrumental que participava, além de tocar muito na noite e dar aulas.

Sem dinheiro

Nascido na capital capixaba, passou parte da vida em Cariacica, na Grande Vitória. Para chegar até aqui teve um difícil trajeto. “Meu pai era funileiro e minha mãe costureira. Nunca tivemos dinheiro.”

O pai toca violão e baixo, mas nunca estudou música. “Ele me ensinou acordes no violão e assim foi o primeiro contato com a música”, lembra.


“Tive que fazer um caminho diferente do que os pianistas geralmente fazem. Comecei executando teclado como autodidata e só quando já tocava profissionalmente entrei em escolas de música”, conta.

Hercules teve contato com o teclado quando o instrumento foi deixado em sua casa em um dos ensaios de amigos com o pai. “Peguei escondido e comecei a tirar melodias de ouvido.”

Daí, foi aprendendo alguns acordes e depois de um tempo, foi tocar em uma igreja católica que sua mãe frequentava.

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“Fiz bacharelado em música popular (formado pela Unicamp em 2005), porém para conseguir passar no vestibular precisei parar de tocar e estudar conhecimentos gerais por um ano, para compensar a deficiência de ensino que tive nas escolas públicas do Espírito Santo.”

Só dentro da faculdade que conseguiu comprar seu primeiro piano, aos 21 anos de idade, e lá teve a oportunidade de estudar música clássica. Antes, para ter contato com o instrumento, se dirigia ao Conservatório de Música de Vila Velha uma vez por semana.

“Enfim, um retrato do Brasil. Apesar de tudo, a maior recompensa nessa nossa batalha sem fim é receber semanalmente mensagem de jovens músicos dizendo que minha história é fonte de inspiração.”

Há poucos pianistas negros no país, principalmente no piano clássico, como Hercules Gomes, hoje com 39 anos.

“Estudar música sempre foi uma coisa elitizada. E quando se trata de dinheiro a exclusão racial sempre fica mais visível.”

Tia Amélia

Esse novo álbum do pianista, chamado Tia Amélia para Sempre (Selo Sesc), é um resgate dessa esquecida mas talentosa musicista pernambucana, que no início do século passado chegou a trabalhar com Ernesto Nazareth.

“Ela faz uma música muito brasileira, totalmente ligada ao choro. Ela tinha um ‘pianismo’ inconfundível com uma mão esquerda que era um moto-contínuo, de execução muito difícil que, por outro lado, flui tão bem que faz o piano parecer uma percussão”, conta Hercules.

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Segundo ele, trata-se de uma obra muito alegre e viva: “A obra dela carrega essa herança do piano brasileiro, do piano no choro”.

Diz que desde que descobriu a obra da Tia Amélia queria gravar suas composições.

“O choro é um desses gêneros que gosto. Infelizmente não são tantos pianistas brasileiros que se dedicam a ele hoje em dia.”

Sobre o que há de diferente entre a música de Chiquinha Gonzaga e Tia Amélia, afirma que a primeira a maior parte da obra foi feita para o teatro de revista.

“Apesar de melodias e harmonias relativamente simples, se compararmos com Ernesto Nazareth, por exemplo, ela (Chiquinha Gonzaga) usava bastante a extensão do piano.”

Tia Amélia compunha, como Chiquinha Gonzaga, maxixes e valsas, mas além disso fez frevos, marchas e sambas.

“Usava mais a parte central do piano e sua música já era uma evolução do executado por pianistas do século XIX. A música de Tia Amélia tem muito mais balanço também.”

O pianista Hercules Gomes possui um trabalho chamado Transcrições Nazarethianas. “São arranjos meus virtuosísticos para músicas do (Ernesto) Nazareth.”

Ele já fez algumas poucas apresentações sobra o magistral trabalho deste que é uma referência da música brasileira, mas não o gravou. “É um disco que preciso estudar muito porque os arranjos são mais difíceis que o normal.”

No bom álbum Tia Amélia para Sempre, Hercules Gomes faz piano solo em seis das 14 músicas. As outras restantes o pianista divide com instrumentos de cordas, sopro, percussão e bateria.

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