Cultura

Teatro: especulação imobiliária X cena independente

Enquanto São Paulo inaugura 3 novas casas de espetáculo, grupos independentes penam com a alta do IPTU e cobram mais incentivos para sobreviver

Peça Nem Tudo Ladrão Vem Para Roubar, dirigido por Augusto Marin, da Commune Coletivo Teatral
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Enquanto São Paulo inaugura mais três grandes teatros para superproduções no centro expandido da cidade, as companhias independentes sofrem para permanecer em atividade. A dificuldade é manter as peças em cartaz: os espaços públicos demandam estreias, que atraem o público, e as sedes próprias se tornam insustentáveis com a especulação imobiliária e os altos valores do IPTU. Os grupos tentam impulsionar um Projeto de Lei proposto pelos vereadores Floriano Pesaro (PSDB) e Nabil Bonduk (PT), que pretende dar isenção de impostos a teatros independentes.

Idealizado em dezembro, o PL 888/2013 pretende dar incentivo aos “imóveis utilizados exclusiva ou predominantemente como teatros ou espaços que sejam abertos ao público e tenham caráter artístico e cultural”. A expectativa é que seja votado até o início do segundo semestre.

O desafio das companhias independentes foi tema de reportagem da Folha de S. Paulo da última semana: os incentivos gerados pela Lei de Fomento ao Teatro não foi suficiente para dar estabilidade aos grupos. Enquanto isso, três novos teatros serão construídos Shopping Vila Olímpia, Shopping JK Iguatemi e no cruzamento entre a Avenida Faria Lima e a Rua Leopoldo de Magalhães. As capacidades variam de 700 a 1200 espectadores, o que trará para a cidade uma ampliação de quase três mil cadeiras para a produção teatral na cidade.

Os novos empreendimentos são de iniciativa privada, mas contam com o apoio municipal, como isenções fiscais, conforme se firmou no Decreto nº 37.105/1997. O decreto afirma que as áreas do teatro “não serão computáveis para efeito de definição da taxa de ocupação e do coeficiente de aproveitamento utilizados no projeto de construção”. Para o diretor artístico do Teatro Commune, Augusto Marin, a questão é delicada. “Conceder isenção a grandes teatros que tem um grande valor comercial e não dar isenção de IPTU para pequenos espaços, que atendem uma demanda pública e oferecem uma programação a 10, 20, 30 reais é bastante complicado.”

Marin acredita que toda expansão teatral na cidade é positiva, inclusive de superproduções, que dão movimentação ao mercado. “São Paulo é uma metrópole, ter mais teatros grandes é um benefício à cidade. Eles demandam bons coreógrafos, bons maquiadores e se cria um mercado. Mas é preciso incentivar a cultura na rua, o uso da rua, que é o que nós estamos cada vez mais perdendo em São Paulo, o acesso ao público.”

Carlos Canhameiro, da Companhia Les Commediens Tropicales, também acredita que a criação dos novos teatros não impacta diretamente as pequenas companhias. “Eles são voltados exclusivamente para grandes produções, em especial, grandes shows, programações mais pontuais, balés internacionais. Não é o mesmo público, infelizmente. São Paulo é difícil de generalizar, mas quem vê o Rei Leão não vê uma peça de grupo em São Paulo.”

A dificuldade de encontrar aparelhos culturais na cidade que sustentem os pequenos grupos também os leva a buscar um espaço próprio. “A maioria das programações do Sesc e do CEU demandam estreias, que atraem mais público, atenção da imprensa e mais renda. Então você não tem um lugar para manter o seu trabalho”, diz Canhameiro. Uma temporada no Sesc dura em média seis semanas. Segundo Canhameiro, é cada vez mais difícil emplacar segundas ou mais temporadas de montagens.

A Cia Les Commediens Tropicales, por exemplo, é uma das muitas companhias da cidade que não têm sede própria. “A gente não quer ter uma sede, porque a gente teria de tirar do próprio bolso para se manter”, diz. “Hoje, em São Paulo, eu acho impossível alguém ter uma sede e ter lucro.”

MoTin. A ausência de políticas públicas direcionadas aos pequenos e médios grupos de teatro levou à criação do Movimento dos Teatros Independentes (MoTIn). O grupo já se reuniu com o secretário de cultura da cidade de São Paulo, Juca Ferreira, e com a ministra da Cultura, Marta Suplicy. Nas discussões com os representantes do poder público, duas ações foram definidas: um mapeamento cultural dos teatros da cidade e um seminário internacional para discutir políticas públicas e estratégias de gestão para a área.

Ainda sem números oficiais, o grupo estima que São Paulo tenha atualmente entre 150 e 160 espaços, que variam de 20 a 400 lugares. Nenhuma cidade do País tem um mapa com todos os seus pontos de teatro detalhados, modelo já consolidado na Europa e nos Estados Unidos.

Arquitetados para apresentações a públicos menores, os pequenos teatros não conseguem o retorno financeiro necessário apenas com a renda gerada pela bilheteria.

O caso do Teatro Commune serve como um parâmetro para o desafio: de 2007 para cá, o aluguel do espaço da sede passou de 3 mil reais para mais de 8 mil. “O aumento dos alugueis e a especulação imobiliária nos colocaram em uma situação em que estivemos seriamente ameaçados de fechar no ano passado”, diz Augusto Marin.

“São espaços que mantêm um modo singular de produção. O nosso teatro, por exemplo, deixa os atores a 1,5 metros do público, que vira testemunha daquela experiência. É um processo diferente de uma superprodução”, diz ele.

Mais do que promover a estrutura, Canhameiro aposta que a saída para a cena cultural de São Paulo seja repensar o seu modelo de gestão. “Tem bastante gente que ainda concebe política cultural como construção de equipamentos públicos, como se o teatro fosse brotar por conta da abertura de novas salas”, diz ele. “Na verdade, a gente tem um programa crônico relacionado com o interesse do publico, o valor dos ingressos e isso precisa ser repensado.”

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