Cultura
Passado e presente sobrepostos
O documentário ‘Occupied City’, de Steve McQueen, revisita, hoje, 130 endereços de Amsterdã ligados à ocupação nazista na cidade holandesa, entre 1940 e 1945


As mais de quatro horas de duração de Occupied City seriam, por si, um obstáculo para o lançamento do filme nas salas comerciais. É, por isso, especialmente bem-vinda sua exibição, entre os dias 14 e 26 de setembro, no Instituto Moreira Salles (IMS) da Avenida Paulista, em São Paulo.
O documentário do realizador britânico Steve McQueen tem sido saudado, a exemplo do que aconteceu com Shoah, de Claude Lanzmann, 40 anos atrás, como um marco nas formas de representação do Holocausto no cinema.
O ponto de partida do diretor é um atlas de 560 páginas no qual estão registrados mais de 2 mil endereços de Amsterdã, na Holanda. Cada um deles guarda algo da história da ocupação nazista na cidade, entre 1940 e 1945.
A enciclopédia foi publicada pela historiadora Bianca Stigter – com quem McQueen é casado – e inclui desde lugares destruídos por bombas até apartamentos onde famílias judias se suicidaram.
No filme, enquanto uma voz off lê trechos do atlas, as imagens mostram 130 desses lugares na contemporaneidade – mais especificamente, entre 2019 e 2022, abarcando um cotidiano modificado pela pandemia da Covid-19.
O encontro entre o passado, representado pela palavra, e o presente, representado pela imagem, se dá de forma aparentemente livre, com música, som de pássaros ou de vozes aleatórias a modular a experiência estética. Se em alguns momentos os dois tempos parecem se comunicar, em outros, eles são dissonantes.
McQueen já disse, em entrevistas, que seu desejo com esse filme era muito mais levar os espectadores a refletir e a sentir do que dar lições de história.
Artista visual que tinha uma sólida carreira antes de se tornar um cineasta reconhecido – com passagens pelo Festival de Cannes e três estatuetas no Oscar por 12 Anos de Escravidão (2013) –, McQueen atravessa com fluidez as supostas fronteiras entre diferentes linguagens. Reside também nisso o impacto de Occupied City.
No IMS, o documentário servirá de preâmbulo aos cinco longas-metragens da série Small Axe (2020) – título tirado da canção homônima de Bob Marley –, outro mergulho de McQueen na questão racial e nas vivências das pessoas negras. As histórias são inspiradas em integrantes da comunidade afro-caribenha de Londres, entre 1960 e 1980.
Small Axe tinha sido lançado no Brasil pelo GloboPlay, mas não chegou ao cinema. Os filmes serão exibidos entre outubro e dezembro, em sessões únicas. •
Publicado na edição n° 1328 de CartaCapital, em 18 de setembro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Passado e presente sobrepostos’
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