Cultura

Pare, Chico. Apenas pare

O Chico Buarque de 2013, e não qualquer biógrafo, revelou-se o pior inimigo da reputação do Chico Buarque dos anos 60 e 70

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O Chico Buarque de 2013 e não algum de seus eventuais biógrafos se revelou o pior inimigo da reputação do Chico Buarque dos anos 1960 e 1970. Na quarta-feira 16, em meio à sua diatribe contra biografias não autorizadas em O Globo, acusou o historiador Paulo César Araújo de ter inventado entrevista concedida por ele e citada no livro “Eu não sou cachorro, não”, sobre a perseguição a músicos populares durante a ditadura. Insinuou que deveria ter processado o autor e mandado recolher o livro. Foi cabalmente desmentido, com provas que incluem fotos, gravação e vídeo da entrevista de 1992.

Na quinta-feira 17, publicou novo artigo no mesmo jornal no qual pediu desculpas pela acusação injusta, mas insistiu em atacar o livro:

Quanto à matéria da “Última Hora”, mantenho o que disse. Eu não falaria com a “Última Hora” (de São Paulo) de 1970, que era um jornal policial, supostamente ligado a esquadrões da morte. Eu não daria entrevista a um jornal desses, muito menos para criticar a postura política de Caetano e Gil, que estavam no exílio. Mas o biógrafo não hesitou em reproduzi-la em seu livro, sem se dar o trabalho de conferi-la comigo. Só se interessou em me ouvir a fim de divulgar o lançamento do seu livro. Não, Paulo Cesar de Araújo, eu não falava com repórteres da “Última Hora” em 1970. Para sua informação, a entrevista que dei ao Mario Prata em 1974 foi para a “Última Hora” de Samuel Wainer, então diretor de redação, que evidentemente nada tinha a ver com a “Última Hora” de 1970, que você tem como fonte”.

Não, Chico. Mais uma vez está errado. Foi justamente o contrário. Samuel Wainer foi proprietário do Última Hora até 1972, quando foi forçado a vendê-lo para um grupo empresarial que apoiava a ditadura. A entrevista que deu em 1974, reproduzida em seu site oficial chicobuarque.com.br é que foi publicada no jornal “supostamente ligado a esquadrões da morte” e que acusava de “terroristas” os que resistiam à ditadura. Aquela que você hoje repudia saiu no jornal democrático, varguista e nacional-popular de Samuel Weiner, que apoiou até o fim a tentativa de resistência de Jango e Brizola:

UH: Chico, diz aí três pessoas de quem você não gosta:

CB: Juca Chaves e o pessoal da falecida tropicália. [Caetano e Gil, então exilados em Londres].

UH: Ok, ok, mas você acha que Caetano e Gil têm alguma chance de fazer sucesso na Inglaterra?

CB: Não, por causa do idioma. Além disso, nos cartazes de publicidade que eles mandaram imprimir consta que foram banidos do país. Isso é ridículo, querer vencer pela pena.

Falta encontrar provas dessa entrevista publicada em 28 de junho de 1970 na coluna Escracho, do jornalista Carlos Alberto Gouvêa. É difícil, pois nessa época câmeras de vídeo e gravadores eram menos ubíquos. Mas, velho Chico, sua palavra já não vale o que valia. Pare, apesar de você, enquanto é tempo de preservar algo da reputação do jovem Chico que deu uma contribuição importante à luta pela democracia.

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