Cultura
Para tempos duros, um pitada agridoce
Em 45 do Segundo Tempo, Luiz Villaça evoca o futebol para falar sobre os afetos e a passagem do tempo


Para quem, como o brasileiro, está vivendo tempos amargos, assistir a um filme agridoce serve ao menos de alívio. E é a isso que se propõe a fazer, em seu novo longa-metragem, Luiz Villaça, diretor que poderia ser chamado de “contador de histórias”, título de um de seus trabalhos.
45 do Segundo Tempo, em cartaz desde a quinta-feira 18, evoca o futebol. Mas a paixão nacional aparece aqui, sobretudo, como símbolo da ideia de time, de jogar junto – possibilidade que ressurge na vida dos protagonistas.
O filme adota a fórmula quase sempre eficaz dos dramas sobre reencontros. Pedro (Tony Ramos) enfrenta dificuldades para manter aberto seu restaurante italiano. O convite para refazer uma fotografia tirada na inauguração do metrô de São Paulo, 40 anos atrás, leva-o a se reaproximar de dois amigos da adolescência.
Como era de se esperar, cada um seguiu um rumo distinto. Mariano (Ary França) virou padre e vive sendo tentado a largar o hábito para se atirar nos braços do pecado. Ivan (Cássio Gabus Mendes) tornou-se um empresário bem-sucedido e cínico, o que não o protege de uma baita crise familiar.
Em vez de fazer um balanço dos fracassos e das desilusões, 45 do Segundo Tempo prefere o bom humor natural do gênero feel-good movie. Nem mesmo a morte recente do quarto colega da foto antiga ou a vontade de Pedro de pôr fim a tudo tornam o filme refém da ideia de crise, tão comum nos retratos geracionais.
O tema do reencontro faz também estourar a bolha masculina da trama, dominada pela perspectiva dos três tiozões meninões. Uma viagem os leva a rever Soninha, antiga musa do trio, momento em que o filme é iluminado pela graça madura de Louise Cardoso.
Mais que os personagens e suas peripécias tragicômicas, o verdadeiro protagonista do filme é o tempo. Como representar, porém, essa ideia impalpável?
Villaça soluciona a dificuldade com uma cena aparentemente banal, em que o trio repete uma antiga ação. Com os atores sem camisa, exibindo os corpos numa situação que combina cumplicidade e intimidade, as imagens traduzem o tempo acumulado nas panças e peitinhos de homens maduros, algo que nossa cultura visual, pautada pela perfeição, prefere esconder sob roupas largas.
A cena também enriquece a interpretação limitada que se faz do termo “representatividade”, ao incluir o envelhecimento nesta agenda. O reencontro torna-se, assim, um gatilho para cada personagem refletir sobre o que deixou para trás. Mas não faz isso no modo melancólico, lamuriando o tempo perdido. Olha para a frente, imaginando como aproveitar o ainda. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1222 DE CARTACAPITAL, EM 24 DE AGOSTO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Para tempos duros, um pitada agridoce “
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