Cultura

Palestinos e israelenses juntos em uma mesma minoria

Em “Além da Fronteira” a exclusão causada pela homossexualidade é maior do que a separação causada pelo conflito entre Palestina e Israel

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Entrar na história de amor a que se propõe contar Além da Fronteira não é difícil. As primeiras cenas em uma casa de shows clandestina em Tel Aviv já nos capta para o centro do envolvimento entre o jovem estudante Nimer e o promissor advogado Roy. O que só o caminhar da trama permite experimentar, entretanto, é a sensação de se sentir minoria dentro de uma sociedade construída sobre uma bomba-relógio. Nimer é palestino, Roy israelense. Ambos compartilham, em diferentes níveis, do sentimento da exclusão social.

Em entrevista a CartaCapital, Michael Meyer, o diretor do filme, que estreia neste final de semana no Brasil, conta que a produção foi voltada para a história de um íntimo drama humano e que o contexto político foi trabalhado para ser um plano de fundo. “É interessante, porque foi mais difícil quando estávamos escrevendo. Escrevi com uma amiga [Yael Shafrir], que é uma talentosa escritora, mas nós discordamos politicamente. Sou muito mais para a esquerda e ela é para a direita”, explica. “Mas quando estávamos escrevendo, nós sempre sentimos que a história no centro deveria ser uma história pessoal, uma história de amor, uma história sobre famílias, porque também é assim para as pessoas que nós conhecemos, as pessoas de verdade que realmente inspiraram essa história. O dia a dia na vida delas é sobre família, amor e lutas, não é sobre política.”

O resultado dessa divergência inicial, acredita Meyer, fez do filme mais balanceado, com ambos os lados sendo representados no seu melhor e no seu pior.

Uma das inspirações para o longa veio de uma amiga de Meyer, voluntária em um centro para gays e lésbicas em Tel Aviv. Lá, a solidariedade aos gays palestinos não é deixada de lado. “Uma das coisas que achei mais interessantes foi o fato de que minha amiga e as outras pessoas que estavam trabalhando eram voluntárias, não ativistas. E eles realmente se ajudavam e colaboravam com os palestinos”, disse.

Em uma das cenas de Além da Fronteira, Nimer questiona se Roy sempre soube que era gay. Ao receber o “sim” como resposta, Nimer conta que nunca pode se abrir verdadeiramente para a família. Ao chegar em Tel Aviv, ele diz ter se sentido diferente, excluído no meio de tantos judeus. Ao encontrar o submundo frequentado pelos homossexuais, travestis e transexuais ele diz que foi aceito. Ser ou não palestino não era o mais importante ali, todos ali pertenciam a uma mesma minoria. “Quando você é minoria, você aceita mais, eu diria. Acho que existe mais abertura, que eles estão mais preparados para a aceitação”, afirma o diretor sobre essa aceitação mútua.

Para os palestinos, expor sua sexualidade é um drama muito mais complexo do que para os israelenses, que vivem em uma sociedade mais alinhada ao Ocidente, onde a aceitação aos casais homossexuais é muito maior do que a presente no Oriente Médio. “Acredito que a situação dos palestinos está se tornando melhor. Estou falando dos grandes centros, é claro, porque em Gaza a situação é totalmente diferente, muito mais pobre e conflituosa. Mas em áreas urbanas especialmente, como Ramallah, está se tornando muito melhor”, diz ele. “Acho que isso tem muito a ver com o fato de o conflito com Israel ter vivido tempos mais brandos. Tenho um sentimento de que se as coisas vão piores politicamente, a situação se torna pior para os gays palestinos.” Mesmo que atuem às escondidas, quase que na ilegalidade, bares e cafés voltados para o público LGTB são encontrados em Tel Aviv, como retrata o filme.

Além da Fronteira acaba de ser premiado no Brasil no Festival Mix de Diversidade como Melhor Filme Estrangeiro e teve uma passagem bem criticada na Europa e nos Estados Unidos, tendo conseguido atingir um público para além do segmento LGBT, que comumente consome esse tipo de cultura. Sobre essa exceção, Meyer credita a abertura do mercado para a temática e acredita em uma produção cada vez maior. “Acho que sempre existe um apetite para esse número de filmes. Nos últimos anos eu tenho visto muitos mais e mais filmes que falam para um grande audiência”, diz ele. “São filmes que não contam mais só histórias sobre gays, mas sobre as experiências de pessoas gays em um ambiente mais universal.”

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