Cultura

Oscar premia diversidade. Mas podia ter sido mais

Spike Lee foi aplaudido de pé por discurso sobre negritude e contra Donald Trump

(Foto: Kevin Winter/ Getty Winter)
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Com mais negros e mulheres premiados com a cobiçada estatueta dourada, a 91ª edição do Oscar evoluiu bons passos na direção da diversidade. Mas a sensação, no final, foi de que podia ter sido mais. Na principal categoria, a Academia premiou Green Book como o melhor filme, uma tentativa discreta de amenizar a desigualdade racial na indústria cinematográfica.

A cerimônia da noite de domingo 24 contou com discurso em espanhol, mobilização contra Donald Trump, chamado à indústria para que histórias mais diversas sejam contadas, além da premiação para o aclamado Roma, que conta a história (e o sofrimento) de uma indígena empregada doméstica no México.

Green Book: O Guia foi criticado nos Estados Unidos por tratar do racismo de maneira superficial, e alvo de protesto durante a premiação, sustentando ainda o caráter conservador da disputa. O Oscar também foi criticado por não ter nenhuma diretora entre as indicações.

A faca afiada de Spike Lee

Ícone do cinema afro-estadunidense, Spike Lee concorria em diversas categorias com o filme Infiltrado na Klan, que com humor – marca do diretor – conta a história de um jovem policial negro que se infiltra na organização Ku Klux Klan.

Ao ouvir Green Book ser anunciado como vencedor da categoria Melhor Filme, Lee levanta de sua cadeira, anda até os fundos do Kodak Theatre, conversa brevemente com o amigo Jordan Peele, que o ajudou a produzir Infiltrado na Klan, volta pra o seu lugar e dá as costas para o palco, segundo informações do portal Deadline.

“Eu senti que estava sentado bem perto do campo em um jogo, e vi o árbitro fazendo uma marcação errada”, falou o diretor americano sobre o melhor filme do ano, em entrevista após a cerimônia.

Lee foi perguntado o que tinha achado de Green Book. “Deixa eu tomar mais um gole (da bebida). Próxima pergunta”, respondeu ele. O filme de Peter Farrelly foi criticado nos Estados Unidos pela maneira considerada superficial com que trata o racismo.

Infiltrado na Klan recebeu a estatueta de melhor roteiro adaptado, o que rendeu a Lee um discurso afiado sobre negritude e pediu mobilizações para as eleições presidenciais que se avizinha nos Estados Unidos. Leia o discurso na íntegra:

“Hoje é 24 de fevereiro, o mês mais curto do ano. Também é o mês do ano da história negra. 1619… Há 400 anos nós fomos roubados da África e trazidos para a Virginia, escravizados. A minha avó, que viveu até 100 anos de idade, apesar de sua mãe ter sido escrava, conseguiu se formar. Ela viveu anos com seu seguro social, e conseguiu me levar para a universidade NYU. Diante do mundo, eu gostaria de reverenciar os ancestrais que construíram esse país, e também os que sofreram genocídios. Os ancestrais que vão ajudar a voltarmos a ganhar nossa humanidade. As eleições de 2020 estão chegando, vamos pensar nisso. Vamos nos mobilizar, estar do lado certo da história. É uma escolha moral. Do amor sobre ódio. Vamos fazer a coisa certa”. Lee foi aplaudido de pé pelo discurso.

A fala não ficou sem resposta do tuiteiro Dondal Trump, que disparou: “Seria legal se Spike Lee pudesse ler suas anotações, ou melhor ainda, não ter que usar anotações ao fazer sua crítica racista ao presidente, que fez mais pelos afro-americanos (Reforma da Justiça Criminal, Desemprego mais baixo da história, cortes fiscais) do que quase qualquer outro.”

Essa não foi a única crítica ao presidente feita na noite. Logo no discurso de abertura, a comediante Maya Rudolph ironizou a construção do muro que o presidente quer construir na fronteira com México: “O México não vai pagar o muro”.

O ator espanhol Javier Bardem anunciou o prêmio de melhor filme estrangeiro completamente em espanhol e com uma mensagem contra a xenofobia. “Não há fronteiras, não há muros que freiem o talento. De cada região, de cada país, de cada continente do mundo, há história que nos comovem. E esta noite celebramos a excelência e a importância da cultura e do idioma de diferentes países”.

Apesar de não ter levado o prêmio principal, Roma, de Alfonso Cuarón, ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro, tornando-se assim a primeira produção mexicana a ficar com a estatueta dourada nessa categoria.

Em seu discurso, Cuarón reconheceu a Academia de Hollywood por premiar um filme sobre uma mulher indígena e trabalhadora doméstica sem direitos trabalhistas, um tipo de pessoa que, segundo o cineasta, foi “relegada” historicamente no cinema.  Uma das grandes promessas da noite, Roma também teve sua fotografia premiada.

Essa é a quinta vez nos últimos seis anos que um mexicano recebe o prêmio de melhor diretor. Além dele, foram agraciados Alejandro González Iñárritu, duas vezes, e Guillermo del Toro. O próprio Cuarón já havia levado a estatueta em 2014 com Gravidade.

A atriz Yalitza Aparicio, protagonista de Roma, concorreu ao prêmio de melhor atriz. Aparicio é indígena e nunca havia atuado antes. Desde a estreia do filme, a atriz coleciona premiações em todo o mundo, além de ter sido aclamada pelo público.

O prêmio, no entanto, foi para a britânica Olivia Colman, pelo seu trabalho em A Favorita, desbancando também Glenn Close, que era vista como favorita para a categoria.

As histórias que não são contadas

O ator Rami Malek ganhou o Oscar de melhor ator pelo seu papel como Freddie Mercury no filme Bohemian Rhapsody. O ator americano, filho de imigrantes egípcios, pediu que se contem mais histórias que apostem na diversidade e que falem sobre pessoas que têm problemas com quem são e com sua identidade. Bohemian Rhapsody levou ainda outras três estatuetas: edição, mixagem de som e edição de som.

Meninas no front

A menstruação não deve ser um constrangimento para as meninas, mas parte importante de autoconhecimento e da educação sexual. Contudo, em países com altas taxas de pobreza, meninas menstruadas podem ficar longe da escola para sempre. É assim que a diretora iraniana de Period. End of Sentence, Rayka Zehtabchi, descreve o documentário que venceu o Oscar na categoria.

A falta de produtos de higiene, principalmente de absorventes, onde há extrema pobreza, impede que as garotas possam frequentar a escola normalmente. Elas usam tecidos sujos, folhas e até cinzas para impedir que o sangue se espalhe. Essas alternativas aumentam riscos de infecções graves, que as deixam doentes e podem levar à morte.

A narrativa do filme de Zehtabchi enfoca nos problemas que essa deficiência material, simples aos olhos de muitos, pode provocar na formação das meninas, que já sofrem com tantas outras dificuldades para frequentar a escola.

Pantera Negra

Além de ser o primeiro filme de super-herói a ser indicado como melhor filme, Pantera Negra também fez história em outras categorias da premiação neste domingo. Dos sete quesitos para os quais o longa recebeu indicação, três prêmios foram levados para a casa. Ruth E. Carter foi a primeira mulher negra a ganhar o prêmio de “Melhor Figurino”.

Já Hannah Beachlerfoi a primeira negra indicada e vencedora no quesito “Melhor Design de Produção” na história do Oscar. O filme também levou para casa a estatueta de melhor trilha sonora original”.

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