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Os segredos do mercado de nicho

Como a Azul Music, gravadora dedicada aos gêneros instrumental e erudito, se mantém há 30 anos de pé

Os segredos do mercado de nicho
Os segredos do mercado de nicho
Motivação. Corciolli criou a empresa por não ter encontrado quem lançasse seu disco – Imagem: Redes sociais
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Em 1993, o instrumentista e compositor paulistano ­Corciolli criou a Azul Music para lançar seu disco de estreia, recusado por diversas gravadoras por ser “pouco vendável”. Calcado em gêneros como as então em voga world music e new age, o álbum acabou por ser o ponto de partida para uma companhia tornada referência para a música instrumental e clássica.

É que, cinco anos após a criação da Azul Music, Corciolli resolveu apostar também no mercado erudito – pouco atraente para as companhias em razão de seus lucros modestos – e lançou uma compilação das obras da maestrina e compositora Chiquinha Gonzaga interpretadas pela pianista paulistana Clara Sverner. Não demorou para que se tornasse a tábua de salvação de musicistas.

Hoje, a Azul Music possui no catálogo instrumentistas nativos de renome nacional e internacional, e alguns dos integrantes mais destacados da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) e do Theatro Municipal de São Paulo. Têm discos lançados pelo selo os violinistas ­Claudio Cruz e Yuriy Rakevich; a pianista Olga Kopylova; e o violoncelista Raïff ­Dantas Barreto. Recentemente, foram anunciados projetos do violoncelista ­Antonio Meneses e do pianista Cristian Budu.

“A gente sempre buscou unir excelência e qualidade artística. Não estamos nesse negócio só pelo dinheiro”, diz Corciolli. O universo clássico é o “patinho feio” – ao menos em vendas – de um mercado que, segundo dados da Pró-Música, movimentou 2,5 bilhões de reais em 2022 e ocupa a oitava posição no ranking mundial.

O gênero não possui uma agenda de lançamentos significativa. Restringe-se a projetos pontuais gravados aqui e a trabalhos de grandes solistas brasileiros com contratos com multinacionais de grande porte – caso do pianista Nelson Freire, morto em 2021, e que era contratado da Universal Classics. Outra iniciativa relevante foi a parceria entre o Ministério das Relações Exteriores e o selo ­Naxos, que prevê a gravação de mais de cem álbuns de compositores nacionais, interpretados por grandes orquestras do País.

O premiado pianista Cristian Budu e o violoncelista Antonio Meneses são as mais recentes contratações do selo

Dentro da realidade do segmento, a Azul Music possui casos estrondosos de sucesso. Os álbuns e as faixas da pianista russa Olga Kopylova – alguns em parceria com os violinistas Claudio Cruz e Yuriy Rakevich –, por exemplo, passam da marca dos 10 milhões de streams, superando nomes do primeiro escalão do mercado erudito. Outro campeão de audiência é o violinista Claudio Cruz, com 9 milhões de streams.

Um dos trunfos da Azul Music está no equilíbrio de obras consagradas com ­boas ideias de repertório. O catálogo traz álbuns dedicados a nomes certos, como Beethoven, Villa-Lobos e ­Mozart, mas se permite algumas ousadias. O trio formado por Cruz, pelo violoncelista Alceu Reis e pelo violista Gabriel Marins executa os Cinco Divertimentos K. Anh. 229/439b, de Mozart, nascidos como uma obra para o instrumento corno di bassetto (um ancestral do clarinete).

O violoncelista Raïff Dantas Barreto, por seu turno, alterna as Suítes para Violoncelo Solo, de Bach, com adaptações para o seu instrumento de valsas de Francisco Mignone e a gravação do Réquiem do tcheco David Popper. “Há uma multiplicidade de ótimos projetos e artistas talentosos, mas carentes de suporte e estratégias adequadas”, diz Corciolli.

Como a gravadora não tem patrocínio ou ajuda governamental, os projetos são bancados em parceria com os solistas. “Em geral, as gravações são bancadas pelos próprios solistas, que entregam as masters para a companhia”, diz. A gravadora encarrega-se então do design das capas e das estratégias de marketing, comunicação, distribuição e promoção. O lucro também é dividido.

Se a estratégia se mostra comercialmente viável é porque, com a internet, o mercado tornou-se global. Antes, um solista brasileiro só seria ouvido fora do ­País se assinasse com um selo internacional. A Azul, segundo Corciolli, tem boa repercussão nos Estados Unidos e na Ásia.

Foi a possiblidade de atuar mais ativamente no mercado brasileiro ao mesmo tempo que se dedica a uma concorrida agenda internacional que atraiu o pianista paulistano Cristian Budu para o selo. Vencedor do disputadíssimo concurso Clara Haskil, em 2016 ele lançou um disco dedicado às obras de ­Beethoven e ­Chopin, lançado pela suíça Claves ­Records, que foi apontado como referência pela revista inglesa Gramophone.

Para seus dois novos projetos, um dueto com o violoncelista Antonio ­Meneses e outro cujo repertório ­ainda não foi definido, Budu, baseado na ­França, escolheu a Azul Music. “Eles possuem um patamar de excelência e fomentam uma plataforma de músicos brasileiros em nível internacional”, diz o músico. “Mesmo sabendo da estrutura incrível do mercado internacional, é importante valorizar os profissionais brasileiros que não ficam nada a dever em termos de qualidade.”

Antonio Meneses, violoncelista que gravou com o célebre maestro austríaco Herbert von Karajan, também escolheu a companhia de Corciolli como sua nova casa. Ele trará uma nova versão das Seis Suítes para Violoncelo Solo, de Bach, que gravou pela última vez em 2005. Três décadas após os “nãos” disparados por executivos de gravadoras, Corciolli tem ouvido significativos “sins”. •

Publicado na edição n° 1268 de CartaCapital, em 19 de julho de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Os segredos do mercado de nicho’

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