Cultura

Os robôs

O medo que tínhamos da máquina substituir o homem

Robôs só existiam lá na Suécia, pitando e apertando parafusos de Volvos
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As primeiras imagens chegaram em radiofotos publicadas no jornal O Globo. O meu pai assinava, lia de cabo a rabo, e quando aparecia uma novidade assim vinha nos mostrar.

– Esse é o mundo em que vocês vão viver.

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Lembro-me bem quando ele mostrou a radiofoto dos primeiros robôs que estavam sendo instalados na fábrica da Volvo, na Suécia. Eram monstrengos cheio de braços e aquela imagem mostrava, em primeiro plano, um deles pintando a porta de um Volvo.

– Não tem férias, não tem hora extra, não tem pedido de aumento, não tem indenização, não tem reclamação e ainda por cima, robô não fica grávido!

Esses eram os argumentos do meu pai, fazendo uma previsão do que vinha pela frente, no que iria se transformar esse nosso mundo.

Ficávamos um pouco com medo dessas máquinas, mas achávamos que tínhamos muito chão ainda pela frente antes que eles invadissem nossas vidas.

Na televisão, víamos Os Jetsons. Minha mãe, vassoura na mão e espanador debaixo do braço passava pela sala e parava diante daquela Colorado RQ para admirar a Rosie, a empregada robô que circulava pela casa dos Jetsons espanando, varrendo, lavando e passando.

– Quero uma dessas!

Nós ficávamos ali admirados, imaginando nossa vida quando chegasse o ano 2000. Uma das coisas que eu mais gostava era aquele botãozinho que o Elroy Jetson apertava e saia um sanduíche prontinho, quase um Big Mac.

Voar como eles também era nosso desejo, circular de um lado da cidade para outro em naves velozes era um sonho. Evitaríamos os engarrafamentos de Studbakers que já começavam a aparecer naquela Belo Horizonte de início dos anos 1960.

Quando chegaram às lojas de brinquedos os primeiros robôs da Estrela, pedimos um de Natal e ganhamos, aquele que acendia luzinhas vermelhas, andava pra frente e pra trás, mexia os braços, a cabeça e falava uma língua que nos terráqueos não entendíamos.

O mundo em que nascemos era muito diferente do mundo em que vivemos hoje. Usávamos calça curta, escrevíamos com lápis Johann Faber número 2, o telefone era fixo e ficava na sala das nossas casas. Os canais de televisão iam do canal 2 ao 13, o farmacêutico conhecia todos os moradores do bairro, o pão era de meio quilo, a geleia era de mocotó e todos os dias os irmãos Marista carimbavam nas nossas cadernetas ausente ou presente.

Robôs só existiam lá na Suécia, pitando e apertando parafusos de Volvos. Por aqui, só nas vitrines das lojas de brinquedo, piscando e andando pra frente e pra trás.

O mundo dos Jetsons nunca chegou. Aquela vida da Rosie andando pela casa, colocando tudo em ordem, nunca existiu. Mas eu tenho uma queixa a fazer.

Tem mais de uma hora que estou tentando falar com alguém, com algum ser humano, pra vir consertar o nosso fogão aqui em casa. Uma voz metálica insiste em informar

Se deseja falar com o setor de atendimento ao consumidor, disque 1

Para peças e acessórios, disque 2

Se o assunto é entrega de mercadoria, disque 3

Se deseja fazer uma reclamação, disque 4

Se deseja agendar a visita de um técnico, disque 5

Não sonho mais com uma vida de Jetsons, mas sonho em ligar para um lugar, e um humano me atender.

– Alô, quem fala?

– É do armazém do seu José?

– Eu quero uma lata de biscoitos Aymoré!

 

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