Cultura

Os pássaros

Alberto Villas narra as várias “aparições” do assum preto imortalizado por Luiz Gonzaga

Brtilho Eterno
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A primeira vez que ouvi Luiz Gonzaga cantando Assum Preto era menino ainda, calça curta, nem caneta tinteiro me era permitida, só lápis. Foi numa vitrola prafrentex que meu pai comprara nas Lojas Floriano Nogueira da Gama na Belo Horizonte dos anos 50. O velho se amarrava no rei do baião e todo domingo, depois de abrir a primeira Brahma Chopp estupidamente gelada ele escolhia os discos que iria ouvir. Gonzaga estava sempre presente.

A canção era uma tristeza só e muito me impressionava a história de furar os olhos do bichinho pra ele assim cantar melhor. Ainda não havia Google pra mim, por isso fui lá na enciclopédia que o meu pai guardava no escritório dele para saber mais sobre o tal assum preto. Fiquei sabendo que o pássaro era também chamado de anum preto, melro, graúna e mais um monte de outros nomes regionais. Chocado fiquei ao saber que a história de que cegavam o pássaro furando seus olhos era mesmo verdade.

No final dos anos 60 o tal do assum preto voltou a tona na voz dos quatro garotos de Liverpool com a canção Blackbird. A revista Realidade pediu a Carlos Drummond de Andrade para traduzir algumas das músicas daquele álbum de capa branca e o poeta transformou o blackbird que cisca nos lindos gramados campos de Londres em um melro que canta bonito no sertão pernambucano do rei do baião.

Melro que cantas no morrer da noite


com estas asas rotas aprende teu voo


A vida toda


esperaste a hora e a vez de teu voo

Não demorou muito lá estava o bicho de volta, agora em forma de tirinha no jornal O Pasquim, na pena do Henfil. Na minha cabeça a graúna era o mesmo assum preto sofrido de Gonzagão, o mesmo blackbird que com suas asas rotas aprendia o teu voo. A graúna de Henfil lá da sofrida caatinga ficou famosa, uma verdadeira pop star do país tropical criticando o que chamávamos de Sul Maravilha.

No inicio dos anos 70, lá estava o assum preto de novo na minha vida quando a fatal Gal Costa recuperou a velha canção do rei do baião colocando ainda mais tristeza na interpretação. A primeira vez que ouvi a baiana cantando ao vivo foi numa noite no Teatro da Imprensa Oficial naquela mesma Belo Horizonte. Quase chorei quando o show começou, a sala escura e aquela voz vindo lá de longe, voz de uma menina cujo nome era Gal e que desejava se corresponder com um rapaz que fosse o tal.

Tudo em vorta é só beleza


Sol de abril e a mata em frô


Mas Assum Preto, cego dos óio


Num vendo a luz, ai, canta de dor

Há cinco anos o assum preto voltou na voz do homem banda Vasco Faé que misturou chiclete com banana. Ele colocou na mesma música o assum preto de Luiz Gonzaga e o blackbird de Lennon e McCartney num álbum também branco que, que acredito eu, poucas pessoas ouviram.

Agora, tantos e tantos anos depois, cá está o bicho de volta ao noticiário. Deu na Folha: “Passarinhos ficam bêbados ao comer frutas fermentadas”. Quando fui ver era o tal do assum preto. Doze corpos da ave foram achados perto de uma escola na Inglaterra e deixaram os pesquisadores intrigados. O jornal explica que o único sobrevivente da chacina estava pra lá de Marrakesh, não conseguia sequer se manter de pé sem se apoiar nas asas. Enfim, estava mesmo totalmente bebum.

Pra esclarecer o mistério fizeram exames nos pássaros mortos e constataram que todos eles tinham uma frutinha vermelha fermentada no estômago. De acordo com a revista Veterinary Record, os pobres bichinhos, embriagados, saiam voando a esmo e trombavam uns nos outros, trombavam em árvores, em pedras, provocando fraturas e a morte. O único sobrevivente demorou dois dias pra voltar a ficar sóbrio. Foi solto e saiu voando rapidinho, antes que alguém por ignorança ou mardade das pió, furasse seus óio pra ele assim cantá mió.

Outras crônicas de Alberto Villas:

A primeira vez que ouvi Luiz Gonzaga cantando Assum Preto era menino ainda, calça curta, nem caneta tinteiro me era permitida, só lápis. Foi numa vitrola prafrentex que meu pai comprara nas Lojas Floriano Nogueira da Gama na Belo Horizonte dos anos 50. O velho se amarrava no rei do baião e todo domingo, depois de abrir a primeira Brahma Chopp estupidamente gelada ele escolhia os discos que iria ouvir. Gonzaga estava sempre presente.

A canção era uma tristeza só e muito me impressionava a história de furar os olhos do bichinho pra ele assim cantar melhor. Ainda não havia Google pra mim, por isso fui lá na enciclopédia que o meu pai guardava no escritório dele para saber mais sobre o tal assum preto. Fiquei sabendo que o pássaro era também chamado de anum preto, melro, graúna e mais um monte de outros nomes regionais. Chocado fiquei ao saber que a história de que cegavam o pássaro furando seus olhos era mesmo verdade.

No final dos anos 60 o tal do assum preto voltou a tona na voz dos quatro garotos de Liverpool com a canção Blackbird. A revista Realidade pediu a Carlos Drummond de Andrade para traduzir algumas das músicas daquele álbum de capa branca e o poeta transformou o blackbird que cisca nos lindos gramados campos de Londres em um melro que canta bonito no sertão pernambucano do rei do baião.

Melro que cantas no morrer da noite


com estas asas rotas aprende teu voo


A vida toda


esperaste a hora e a vez de teu voo

Não demorou muito lá estava o bicho de volta, agora em forma de tirinha no jornal O Pasquim, na pena do Henfil. Na minha cabeça a graúna era o mesmo assum preto sofrido de Gonzagão, o mesmo blackbird que com suas asas rotas aprendia o teu voo. A graúna de Henfil lá da sofrida caatinga ficou famosa, uma verdadeira pop star do país tropical criticando o que chamávamos de Sul Maravilha.

No inicio dos anos 70, lá estava o assum preto de novo na minha vida quando a fatal Gal Costa recuperou a velha canção do rei do baião colocando ainda mais tristeza na interpretação. A primeira vez que ouvi a baiana cantando ao vivo foi numa noite no Teatro da Imprensa Oficial naquela mesma Belo Horizonte. Quase chorei quando o show começou, a sala escura e aquela voz vindo lá de longe, voz de uma menina cujo nome era Gal e que desejava se corresponder com um rapaz que fosse o tal.

Tudo em vorta é só beleza


Sol de abril e a mata em frô


Mas Assum Preto, cego dos óio


Num vendo a luz, ai, canta de dor

Há cinco anos o assum preto voltou na voz do homem banda Vasco Faé que misturou chiclete com banana. Ele colocou na mesma música o assum preto de Luiz Gonzaga e o blackbird de Lennon e McCartney num álbum também branco que, que acredito eu, poucas pessoas ouviram.

Agora, tantos e tantos anos depois, cá está o bicho de volta ao noticiário. Deu na Folha: “Passarinhos ficam bêbados ao comer frutas fermentadas”. Quando fui ver era o tal do assum preto. Doze corpos da ave foram achados perto de uma escola na Inglaterra e deixaram os pesquisadores intrigados. O jornal explica que o único sobrevivente da chacina estava pra lá de Marrakesh, não conseguia sequer se manter de pé sem se apoiar nas asas. Enfim, estava mesmo totalmente bebum.

Pra esclarecer o mistério fizeram exames nos pássaros mortos e constataram que todos eles tinham uma frutinha vermelha fermentada no estômago. De acordo com a revista Veterinary Record, os pobres bichinhos, embriagados, saiam voando a esmo e trombavam uns nos outros, trombavam em árvores, em pedras, provocando fraturas e a morte. O único sobrevivente demorou dois dias pra voltar a ficar sóbrio. Foi solto e saiu voando rapidinho, antes que alguém por ignorança ou mardade das pió, furasse seus óio pra ele assim cantá mió.

Outras crônicas de Alberto Villas:

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