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Os corpos como narradores

Duas jovens cineastas, uma grega e uma francesa, oferecem olhares autênticos sobre o desejo e a repulsa

Os corpos como narradores
Os corpos como narradores
Attenberg, dirigido por Athina Rachel Tsangari, está disponível na plataforma MUBI, e Rodeo, de Lola Quivoron, estreou no circuito de salas – Imagem: Madman Films
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Que lugar ocupam os corpos neste mundo de coisas? As histórias e, sobretudo, as formas escolhidas por algumas cineastas contemporâneas revelam faces despercebidas no cotidiano, onde tudo obedece a hierarquias e segue funções.

Attenberg (2010), dirigido pela grega Athina Rachel Tsangari, disponível na MUBI desde a terça-feira 2, e Rodeo, da francesa Lola Quivoron, em cartaz nos cinemas desde a quinta-feira 4, oferecem olhares surpreendentes sobre os corpos em relação com o desejo e a posse, mas também com a repulsa.

Attenberg foi incluído no conjunto da Estranha Onda Grega, um lote de filmes de jovens cineastas que adotaram estéticas e temas desconfortáveis. Viu-se ali a refração, a captura da devastação nas subjetividades provocada pela crise financeira que zerou o bolso e o moral dos gregos de 2008 em diante.

Visto fora desse contexto, Attenberg guarda sua força na dissidência. Trata-se de um filme difícil, árido mesmo, que registra com olhar de entomologista a intimidade de uma garota com o pai, enquanto ele enfrenta uma doença terminal.

Tsangari abstrai a dimensão emocional do tema para abordar morte, vida e desejo da perspectiva física. Que movimentos a língua faz num beijo? Que sabores têm as bocas? Qual o grau do erotismo nas relações com os pais? Qual a sensação mecânica da penetração ­sexual? Um cadáver tem medo de quê?

Estranhas ou incomuns, as inquietações de Attenberg não deixam, por isso, de ser muito simples, até essenciais. Sem malabarismos visuais, Tsangari retorna ao básico para indagar o que abandonamos em nossas jornadas.

Em seu primeiro longa-metragem, ­Lola Quivoron reivindica a tradição do realismo social francês para acompanhar os embates de uma jovem com um universo estritamente masculino e machista.

As primeiras imagens já exalam a tensão física de uma situação de fuga. Uma garota se arranca da tentativa de dois jovens para detê-la e alcança a rua. A cena define o percurso de Julia, personagem não binária, e seus esforços para se autodeterminar.

Rodeo é um filme de ação ambientado no universo marginal de roubos de motos e também uma metáfora sobre identidades. O percurso de Julia é o de todos que tentam encontrar um lugar num mundo onde não só os gêneros mas também as hierarquias vêm predefinidos.

A energia da direção de Quivoron combinada à atuação de alta octanagem da estreante Julie Ledru torna Rodeo uma ótima surpresa. •

Publicado na edição n° 1258 de CartaCapital, em 10 de maio de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Os corpos como narradores’

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