Cultura

Os chinelos de Zélia Gattai

Passei a semana lendo as cartas deliciosas que revelam um Jorge Amado perdidamente apaixonado pela mulher que o acompanhou durante 56 anos

'Estou fazendo economia para ver se compro teus chinelos', diz a carta de Jorge Amado à mulher
Apoie Siga-nos no

Vira e mexe alguém comenta que ninguém mais escreve cartas. Falei disso aqui na semana passada quando Caio Fernando Abreu disse isso há 25 anos atrás numa crônica publicada pelo Caderno 2 do Estadão. Nem eu que escrevi mais de mil cartas nos anos de chumbo durante seis anos em Paris não escrevo mais. Tenho aqui guardadas todas que escrevi para o meu irmão porque ele teve o cuidado de guardá-las e um dia me dar de presente.

De vez em quando abro meu velho baú de prata e dou uma folheada nelas. Cartas escritas à mão em papel de seda que hoje soam revolucionárias. “Tem horas que sinto vontade de pegar uma metralhadora e desembarcar no aeroporto de Recife e sair atirando em um por um dos torturadores e acertar em cheio na cabeça daquele que matou José Carlos Novaes da Mata Machado”, escrevi no dia 27 de março de 1975.

Cartas foram sumindo do mapa para entrar para a história. Desde aquela de Pero Vaz em que ele dizia “Posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta Vossa terra nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que – para o bem contar e falar – o saiba pior que todos fazer! E portanto, Senhor, do que hei de falar começo”.

Adoro ler e reler cartas. Desde aquelas que Vincent Van Gogh escreveu ao irmão Théo até as que o escultor Victor Brecheret escreveu a Mário de Andrade. Acho maravilhosas as que Cyro dos Anjos, de Amanuense Belmiro, escreveu a Carlos Drummond de Andrade de Claro Enigma. Sem contar aquela literatura pura que havia nas cartas que Caio F. escreveu aos amigos durante anos e anos.

Passei a semana lendo a correspondência de Jorge Amado e Zélia Gattai, cartas escritas entre 1948 e 1967, do exílio europeu à construção da casa do Rio Vermelho, organizadas pelo filho João Jorge Amado e que viraram livro nas mãos da Companhia das Letras. São cartas deliciosas que revelam um Jorge Amado além de perdidamente apaixonado pela mulher que o acompanhou durante 56 anos, um homem comum.

Um homem comum capaz de escrever cartas preocupado com o dinheiro pouco na época, revelar angústias à procura de soluções para os personagens de seus romances, um homem comum, comunista, que morria de medo de viajar de avião.

Tão comum que no dia 30 de março de 1948, exilado em Paris, escreveu a Zélia pedindo a ela que levasse para ele leite em pó, goiabada, marmelada, bananada, farinha de mandioca, cigarros, palmitos (para ti) e beijos (para mim). Jorge sofria com a falta de notícias, com as cartas que demoravam às vezes semanas para atravessar sete mares e chegar às suas mãos.

São nessas cartas que Jorge Amado deixa bem claro seu pavor a qualquer tipo de censura. Não admitia que tradutores mexessem em uma vírgula de seus textos. Jorge tinha um milhão de amigos que a toda hora apareciam nas suas cartas sempre escritas à maquina porque ele odiava escrever a mão. Lá estavam Carlos Scliar, Caribé, Mario Cravo Jr., Paulo Emilio Salles Gomes, Louis Aragon, Sartre e Simone de Beauvoir.

Jorge Brincava com o tesão por Zélia e até mesmo com champanhe, que ele chamava de Viúva Clicquot.  São cartas realmente deliciosas. Quem poderia imaginar que no dia 17 de março de 1950, lá de Estocolmo, o escritor Jorge Amado escreveria a sua amada o seguinte: “Vou sem novidades: muito trabalho, a cidade bonita mas chata, néris de dinheiro, o indispensável para comer – comida cara –  mas estou fazendo economia para ver se compro teus chinelos”.

Vira e mexe alguém comenta que ninguém mais escreve cartas. Falei disso aqui na semana passada quando Caio Fernando Abreu disse isso há 25 anos atrás numa crônica publicada pelo Caderno 2 do Estadão. Nem eu que escrevi mais de mil cartas nos anos de chumbo durante seis anos em Paris não escrevo mais. Tenho aqui guardadas todas que escrevi para o meu irmão porque ele teve o cuidado de guardá-las e um dia me dar de presente.

De vez em quando abro meu velho baú de prata e dou uma folheada nelas. Cartas escritas à mão em papel de seda que hoje soam revolucionárias. “Tem horas que sinto vontade de pegar uma metralhadora e desembarcar no aeroporto de Recife e sair atirando em um por um dos torturadores e acertar em cheio na cabeça daquele que matou José Carlos Novaes da Mata Machado”, escrevi no dia 27 de março de 1975.

Cartas foram sumindo do mapa para entrar para a história. Desde aquela de Pero Vaz em que ele dizia “Posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta Vossa terra nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que – para o bem contar e falar – o saiba pior que todos fazer! E portanto, Senhor, do que hei de falar começo”.

Adoro ler e reler cartas. Desde aquelas que Vincent Van Gogh escreveu ao irmão Théo até as que o escultor Victor Brecheret escreveu a Mário de Andrade. Acho maravilhosas as que Cyro dos Anjos, de Amanuense Belmiro, escreveu a Carlos Drummond de Andrade de Claro Enigma. Sem contar aquela literatura pura que havia nas cartas que Caio F. escreveu aos amigos durante anos e anos.

Passei a semana lendo a correspondência de Jorge Amado e Zélia Gattai, cartas escritas entre 1948 e 1967, do exílio europeu à construção da casa do Rio Vermelho, organizadas pelo filho João Jorge Amado e que viraram livro nas mãos da Companhia das Letras. São cartas deliciosas que revelam um Jorge Amado além de perdidamente apaixonado pela mulher que o acompanhou durante 56 anos, um homem comum.

Um homem comum capaz de escrever cartas preocupado com o dinheiro pouco na época, revelar angústias à procura de soluções para os personagens de seus romances, um homem comum, comunista, que morria de medo de viajar de avião.

Tão comum que no dia 30 de março de 1948, exilado em Paris, escreveu a Zélia pedindo a ela que levasse para ele leite em pó, goiabada, marmelada, bananada, farinha de mandioca, cigarros, palmitos (para ti) e beijos (para mim). Jorge sofria com a falta de notícias, com as cartas que demoravam às vezes semanas para atravessar sete mares e chegar às suas mãos.

São nessas cartas que Jorge Amado deixa bem claro seu pavor a qualquer tipo de censura. Não admitia que tradutores mexessem em uma vírgula de seus textos. Jorge tinha um milhão de amigos que a toda hora apareciam nas suas cartas sempre escritas à maquina porque ele odiava escrever a mão. Lá estavam Carlos Scliar, Caribé, Mario Cravo Jr., Paulo Emilio Salles Gomes, Louis Aragon, Sartre e Simone de Beauvoir.

Jorge Brincava com o tesão por Zélia e até mesmo com champanhe, que ele chamava de Viúva Clicquot.  São cartas realmente deliciosas. Quem poderia imaginar que no dia 17 de março de 1950, lá de Estocolmo, o escritor Jorge Amado escreveria a sua amada o seguinte: “Vou sem novidades: muito trabalho, a cidade bonita mas chata, néris de dinheiro, o indispensável para comer – comida cara –  mas estou fazendo economia para ver se compro teus chinelos”.

ENTENDA MAIS SOBRE: ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo