Cultura

Onde está a graça?

Quem perdeu o humor? Foi o Brasil ou fui eu?

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Eu tomava Crush, usava sapatos Vulcabrás, lia a revista Reizinho, decorava tabuada, jogava Mico Preto, colecionava flâmulas, comia biscoitos Piraquê, fazia barquinhos de papel e passava um tempão diante da TV observando Seu Ancelmo tentando parar a imagem, mexendo pra lá e pra cá no botão do horizontal, para a meninada poder assistir o programa Rua do Ri Ri Ri. 

Só tinha uma televisão no bairro do Carmo, em Belo Horizonte, e ela ficava na sala de Seu Ancelmo, nosso vizinho. A Rua do Ri Ri Ri passava na TV Tupi e – lembro-me bem agora – começava com um balé e uma musiquinha que falava assim: 

Tem gente boa

Tem gente à toa

Na Rua do Ri Ri Ri

A televisão era em preto e branco, cheia de chuviscos e, de vez em quando, a imagem ia sumindo sumindo, até desaparecer. Seu Ancelmo, que andava sempre elegantemente de terno e com um cravo na lapela, ia lá, dava uns tapas na TV e a imagem voltava, para nossa alegria.

Assistir a Rua do Ri Ri Ri era como ir ao circo, diversão garantida. Os personagens eram os mesmos, os bordões eram os mesmos, as piadas eram quase sempre as mesmas, muitas vezes machistas e preconceituosas. Mas nós, inocentemente, nos divertíamos muito, toda semana, ali na casa do Seu Ancelmo.

Um dia, meu pai comprou um aparelho de televisão numa loja no centro da cidade, a Floriano Nogueira da Gama, e nunca mais fomos ver a Rua do Ri Ri Ri na casa do Seu Ancelmo. 

Além dos Flintstones, dos Jetsons, do Zé Colmeia, do Pepe Legal e do Tom e Jerry, os pais deixavam os filhos assistirem também os programas humorísticos na televisão. O Brasil era um país cheio de bossa e cheio de graça.

Sempre que chegávamos em casa contando as piadas da Rua do Ri Ri Ri, o meu pai comentava que no tempo dele, a graça estava no rádio, num programa chamado Balança mais não cai. Ele sempre contava piadas que ouvia no rádio GE, piadas ingênuas como aquela: Sabe o que é que um peixe falou pro outro peixe? Nada!

A gente foi crescendo e aquele aparelho foi ficando velho, junto com o meu pai, junto com as piadas. 

Eu gostava muito de imitar os tipos que foram aparecendo na televisão. O Jojoca, o Zé Bonitinho, o Alberto Roberto, o Pantaleão: 

– É mentira, Terta? 

Adorava os personagens do Chico Anísio. O Tim Tones, o Bozó, o Coalhada, a Salomé, o Velho Zuza, o Justo Veríssimo, o Azambuja, o Baiano e os novos Caetanos. 

E quem não gostava do Sebá, da Bô Francineide, do Capitão Gay, do Zezinho e da Vovó Nana do Jô Soares?

Na minha casa todo mundo se amarrava nos programas de humor. Quem perdia A Família Trapo na TV Record? ? Ninguém! Era uma das coisas mais engraçadas que passava na televisão. Eu era apaixonado pelo Golias, o Bronco Dinossauro da família.

A Praça da Alegria, com o Manoel da Nobrega, era também muito engraçado. Ficávamos ali com os olhos grudados na telinha vendo aqueles personagens passando pelo banco, cada um mais gozado que o outro.  

O tempo foi passando e não sei se eu ou os programas, foram perdendo a graça. Sei lá, acho que foi o Brasil mesmo. Confesso que nunca assisti o Zorra Total, aquela praça do Carlos Alberto da Nobrega, o Pânico,  nenhum desses programas novos que aparecem todo dia. Fui, aos poucos, saindo pela porta dos fundos.  

Um domingo desses resolvi assistir o Tomara que Caia, da Globo, depois que vi a chamada no ar. Tive vontade de chorar. Não chorar de rir. Chorar mesmo, de verdade.

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