Cultura
Olhos de lince e humor afiado
O pernambucano Antônio Maria Araújo de Morais ou, simplesmente, Antônio Maria (1921-1964), era um cronista, jornalista, radialista e compositor absolutamente fora dos padrões do Sul Maravilha, mais precisamente do bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro, nos tempos pré-bossa-nova, celeiro de cronistas e contistas, contadores […]
O pernambucano Antônio Maria Araújo de Morais ou, simplesmente, Antônio Maria (1921-1964), era um cronista, jornalista, radialista e compositor absolutamente fora dos padrões do Sul Maravilha, mais precisamente do bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro, nos tempos pré-bossa-nova, celeiro de cronistas e contistas, contadores de histórias.
Antônio Maria era obeso, preto, nordestino e desajeitado, mas tinha o seu charme e arrebatava corações com suas conversas, suas deliciosas histórias e aventuras. Apesar de ter sido também compositor – é ele o autor da canção Ninguém me Ama –, seu forte eram as crônicas, que escrevia compulsivamente para jornais e revistas. Olhar de lince, era capaz de transformar qualquer acontecimento, por mais simples que fosse, em um belo texto.
Parte dessa produção é resgatada nas 185 crônicas – 132 delas inéditas – presentes na recém-lançada antologia Vento Vadio – As Crônicas de Antônio Maria, organizada por Guilherme Tauil, mestre em Literatura pela Universidade de São Paulo e ele mesmo cronista.
Antônio Maria já havia ganhado o perfil biográfico Um Homem Chamado Maria (Objetiva, 2006), além do pequeno apanhado Seja Feliz e Faça os Outros Felizes (Civilização Brasileira, 2005) e do íntimo Os Diários de Antônio Maria (Civilização Brasileira, 2002), no qual o autor apresenta pensamentos e reflexões sobre o mundo em que vivia. Todas essas obras estiveram sob a batuta do também cronista Joaquim Ferreira dos Santos.
VENTO VADIO. Antônio Maria. Organização: Guilherme Tauil. Editora Todavia (469 págs., 89,90 reais)
Mas Vento Vadio, fruto de uma minuciosa pesquisa em jornais, revistas e arquivos, chega para colocá-lo no lugar que sempre mereceu. O livro reúne crônicas da metade do século passado, com histórias vividas, ouvidas ou inventadas pelo cronista.
São histórias dos tempos em que viveu no Recife, dos parentes que compunham uma família sui generis, dos vizinhos e amigos. São histórias dos quartos onde dormiu, dos prédios em que viveu no Rio, dos carnavais que brincou.
Tudo isso, quase sempre, com humor e a dose certa de ironia, como neste trecho de A Mesa do Café, em que ri da suposta feiúra: “Menino só sabe que é feio, no colégio, quando o padre escolhe os que vão ajudar à missa, os que vão sair de anjo na procissão e os que vão constituir a diretoria do Grêmio Mariano”.
Espirituoso, o cronista costumava brincar: “Se me encontrarem dormindo, deixe. Se estiver morto, me acorde”. Pois, com Vento Vadio, acabam de despertá-lo.
CRÉDITOS DA PÁGINA: COLEÇÃO JOSÉ RAMOS TINHORÃO/IMS
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1185 DE CARTACAPITAL, EM 25 DE NOVEMBRO DE 2021.
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