Cultura

Obrigado eu

Nesses tempos modernos, eu me pergunto: O que pode essa língua?

Língua portuguesa: ela muda sempre
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Tinha eu quatorze anos de idade, quando o meu pai começou a implicar com o meu jeito de falar. Ele não entendia o tal do “falou, bicho”, já que bicho não fala. Quando eu dizia “é isso ai, amizade”, ele me perguntava se eu era mesmo amigo daquela pessoa.

Com a jovem guarda, uma enxurrada de palavras novas começaram a se espalhar pelos quatro cantos do país e cada novidade que eu trazia pra casa era motivo de quase briga.

Ele não entendia o que era “papo furado” tampouco “é uma brasa, mora”. Toda vez que eu falava brasa, ele resmungava: Onde é que está quente? Na verdade, eu achava tudo isso um saco.

Essas novidades na língua portuguesa não começaram com Roberto Carlos. São mais velhas que o rei, acredite. O meu pai falava supimpa, por exemplo, e eu nem ligava.

Bom, aí o tempo foi passando, o mundo girando e novas palavras aparecendo. Apareceram as palavras deletar, postar, escanear, digitalizar, essas coisas todas.

Teve a onda do inglês que transformou o estagiário em trainee, o entrega em domicílio em delivery, a liquidação em sale e o retorno em feedback.

Inventaram o pet shop, internet banking e o smartphone.

Minhas filhas quando adolescentes, tive de engolir o mó legal e o sussa. Sem contar o então, depois de qualquer pergunta:

– Que horas são?

– Então…

– Você vai pra praia no final de semana?

– Então…

Mas passou como tudo tende passar, com tudo tem de passar.

Na escrita, já me acostumei com o blz no lugar de beleza, com o vc no lugar de você, abs no lugar de abraços e com o tks no lugar do thank you.

Já me acostumei com as risadas que viraram rs rs rs, hahaha ou hehehe.

O que está me deixando implicado agora, do mesmo jeito que o meu pai implicava com o bicho e a brasa, é o que vem depois do obrigado. Eu sempre falei de nada, mas agora é diferente.

– Obrigado.

– Imagine…

Mas isso não é nada. O pior de tudo é quando você diz obrigado e a pessoa responde:

– Obrigado eu.

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