Cultura

Obra de Geraldo Filme é a síntese maior do samba na cultura negra

Álbum primoroso mostra relevância das músicas do sambista na voz de cantoras negras

Reprodução do documentário de Carlos Cortez (1998) sobre Geraldo Filme
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Geraldo Filme frequentou os batuques de Pirapora, as rodas improvisadas no Largo das Bananas na Barra Funda, na capital, e a Vai-Vai quando lá se reunia o melhor time de sambistas de São Paulo. Os três lugares não foram só os epicentros da história do samba paulista, mas, acima de tudo, símbolos da resistência e da arte afro-brasileira.

A obra de Geraldo Filme é resultado dessa confluência, associada à sua persistência em valorizar desde pequeno suas origens e a lutar a vida inteira contra a marginalização do povo negro. A fluência musical em letra e melodia foi o impulso que faltava para transformá-lo em uma das maiores expressões do país na convergência da cultura negra com o samba.

Um álbum lançado esse ano com dois CDs pelo Selo Sesc, intitulado Tio Gê – O Samba Paulista de Geraldo Filme, é um retrato magistral para entender o legado deixado na música desse paulista nascido em 1927 e morto há exatos 25 anos. Tio Gê era como Geraldão gostava de ser chamado pelos sobrinhos e jovens recém-chegados ao samba.

O trabalho tem 20 composições interpretadas por cantoras negras (pela ordem alfabética): Alaíde Costa, Amanda Maria, Áurea Martins, Clarianas (Naruna Costa, Martinha Soares e Naloana Lima), Cleide Queiroz, Eliana Pittman, Ellen Oléria, Fabiana Cozza, Graça Braga, Graça Cunha, Lady Zu, Leci Brandão, Luciah Helena, Maria Alcina, Paula Lima, Rosa Marya Colin, Sandra de Sá, Teresa Cristina, Virgínia Rosa e Xênia França. 

Textos do escritor Léo Lama sobre a vida de Geraldo Filme, narrados pelos atores Aílton Graça, João Acaiabe e Sidney Santiago Kuanza, surgem em seis momentos de ambos álbuns. São trechos que revelam sua formação, os dribles à vida difícil, o samba como forma de afirmação e superação. O trabalho foi idealizado e dirigido por Fernando Cardoso.

Composições

No repertório, destaques para a primeira-faixa, Que Gente é Essacantada por Graça Braga representando o “chamamento” para esse álbum excepcional. Outra é o samba de breque Baiano Capoeira (Jorge Costa e Geraldo Filme, única música do compositor em parceira, entre todas apresentadas no trabalho), com Maria Alcina.

Eu Vou Mostrar, com Leci Brandão, primeira composição de Geraldo Filme, aos 10 anos, foi feita para mostrar que São Paulo tem samba, já naquela época (pouco antes de 1940).  Tradições e Festas de Pirapora com Clarianas; Vá Cuidar da Sua Vida, com Paula Lima (e versão especial do rapper Dexter) e A Morte de Chico Preto com Fabiana Cozza valorizam a diversidade, atualidade e a força da obra de Tio Gê. E ainda Garoto de Pobre, com Teresa Cristina.

Um dos ápices é o pout porri Samba da Barra Funda, Último Sambista e Lava-Pés, com Eliana Pittman. Batuque de Pirapora, com Virgínia Rosa, é obra-prima para ser ouvida e cantada na palma da mão. Além de autobiográfica, trata-se de um canto ancestral, retrato do preconceito, a força da negritude e a relevância da cultura negra.

A letra começa: “Eu era menino / Mamãe disse: vamo embora / Você vai se batizado no samba de Pirarapora”. Chegando lá, vestido de anjo, a decepção: “Ouviu-se a voz do festeiro / No meio da multidão / Menino preto aqui não sai / Aqui nessa procissão”.

Segue a música: depois de pedir licença, parte então para o barracão. “Lá no barraco tudo era alegria / Nego batia na zabumba e o boi gemia”. Nesse antológico samba rural, o compositor cita ter sido feito no terreiro, na roda de bamba, na roda de samba. Geraldo Filme de Souza gravou um único álbum solo, lançado em 1980. Em 1982, registrou com Tia Doca da Portela e Clementina de Jesus o álbum O Cantos dos Escravos.

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