Cultura

O vira-lata dos passarinhos

Nem todos os pardais do mundo são totalmente iguais

Gosto de viajar e nas minhas viagens, não tem uma que eu não fotografe um pardal. Na foto, um pardal japonês
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Já contei aqui, o quanto sou apaixonado por passarinhos. Sonho com eles toda semana e já fui criador, sério. De acordar antes do sol raiar pra cozinhar ovos, descascar jilós, ir ao Mercado Central de Belo Horizonte pra comprar osso de baleia para que eles ficassem com os bicos afiados e afinados.

Gostava dos meus canarinhos belgas, dos meus pintassilgos, dos curiós, dos periquitos, maritacas e cacatuas. Cuidava deles com muito esmero, servindo alpiste, oferecendo sempre água fresca, trocando, todos os dias, as folhas do Diário de Minas que forravam as gaiolas. A agonia de vê-los presos, só surgiu muito tempo depois.

Um dia, armei um alçapão no quintal da minha casa e capturei um pardal. Pardal é marrom, não canta, não é bonito, mas mesmo assim instalei o bichinho numa gaiola de bambu bem ajeitada. No primeiro dia, ele ficou se debatendo nas grades, querendo de volta sua liberdade.

No segundo, amuou. Ficou quietinho no canto, triste, ressabiado. Nem no poleiro ele ia. Recusava o alpiste farto, a água cristalina, o ovo cozido, as sementes de jiló. Achei que ia morrer de tristeza.

No terceiro dia, abri a gaiola e ele saiu em disparada rumo ao bairro do Sion. Foi ai que comecei a observar os pardais.

Fiquei sabendo que Edith Piaf tinha esse nome em homenagem a ele, o piaf, pardal em francês. Em tempos de vacas magras, ela vivia perambulando e cantando pelas ruas de Paris e ganhou esse apelido, apesar dos pardais não cantarem, apenas perambularem.

Gosto de viajar e nas minhas viagens, não tem uma que eu não fotografe um pardal. Eles são idênticos e estão sempre soltos nas ruas. Seja em Abidjan, na Costa do Marfim, seja em Estocolmo, na Suécia, seja em Istambul na Turquia. Tenho aqui no meu computador uma verdadeira coleção de pardais em fotografias.

Me sinto na obrigação de legendar cada foto porque jamais saberia se tal pardal foi flagrado em Viena ou em Havana, em Buenos Aires ou em Belo Horizonte.

Essa semana, o pardal foi parar na capa da revista de domingo do jornal espanhol El Pais e não foi à toa. Com o progresso das cidades., com o aumento da poluição, com o verde cada vez mais escasso, os pardais entraram pra lista das aves em extinção. A manchete dizia: La estinción de los gorriones! E a foto do bichinho estava lá na capa, tão triste quanto aquele que capturei um dia e meti no xadrez.

Mas, se eu disse acima que os pardais são absolutamente iguais em todas as partes do mundo, menti. Os pardais de Tóquio são diferentes. Não foi fácil fotografar um por lá, mas consegui. Fotografei numa manhã de sol de um inverno rigoroso, nos jardins do Hama Rikyu, um parque lindíssimo.

Os pardais de Tóquio são mais ariscos, não podem ver uma câmera fotográfica que batem em disparada. E tem mais. Eles apresentam alguns tons de amarelo pelo corpo. Quando vi o primeiro, todo serelepe na movimentada Sinjuku, achei que não era pardal, mas era. Vi que eles estavam em toda parte, do mesmo jeitinho que os de Amsterdam, que os de Paris, de Londres, de Berlim, só que meio amarelinhos.

Será que alguém já percebeu que os pardais de Tóquio são amarelinhos? O que significa isso, nesse mundo tão cheio de problemas? Nada. Os pardais amarelinhos de Tóquio servem apenas para embelezar as ruas do Japão, já tão lindas, e ilustrar a crônica da semana para uma revista brasileira de informação.

 

 

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