Cultura

O urso panda vai acabar!

Desde essa época, comecei a guardar todos os recortes de jornais e revistas que de tempos em tempos anunciavam ao mundo que o bicho estava mesmo acabando. Hoje já são mais de trinta anos de recortes e nada do urso panda acabar

Desde essa época, comecei a guardar todos os recortes de jornais e revistas que de tempos em tempos anunciavam ao mundo que o bicho estava mesmo acabando. Hoje já são mais de trinta anos de recortes e nada do urso panda acabar. Foto: Flickr/Desde essa época, comecei a guardar todos os recortes de jornais e revistas que de tempos em tempos anunciavam ao mundo que o bicho estava mesmo acabando. Hoje já são mais de trinta anos de recortes e nada do urso panda acabar - Creative Commons
Apoie Siga-nos no

Meu filho tinha pouco mais de cinco anos quando chegou da escola aos prantos. Meio gaguejando, meio soluçando ele entrou em casa com uma notícia para ele assustadora.

– O urso panda vai acabar!

Perplexo,  fui logo socorrê-lo, consolá-lo, enxugar suas lágrimas, consolar seu pranto.

– Calma filho, o urso panda não vai acabar!

Ele não acreditou muito na minha história e ainda choramingando  foi logo perguntado:

– O que nós dois podemos fazer para não deixar o urso panda acabar?

Pensando bem, eu não tinha a menor noção. Morávamos em Higienópolis a mais ou menos uns 17.599 quilômetros das montanhas de Daxiangling, lá na China, onde diziam estar os últimos poucos pandas do Planeta Terra. Na verdade eu ali na cozinha fritando bife e descascando cebolas e o meu filho com aquela cara de choro não podíamos fazer muita coisa para salvar o simpático bicho da extinção.

Ele levou a sério aquele recorte da revista Manchete que foi colado na parede da sala de aula na escola onde estudava, uma reportagem que anunciava em letras garrafais e vermelhas o fim dos ursos pandas.

O Julião tinha um de pelúcia já bem judiado que ganhara ainda pequenininho lá no nosso exílio em Paris.  Foi logo tratando de achá-lo no baú de brinquedos como quem diz “ao menos este aqui estará salvo para sempre”.

Desde essa época, nos idos de mil novecentos e oitenta e pouquinho, comecei a guardar todos os recortes de jornais e revistas que de tempos em tempos anunciavam ao mundo que o urso panda estava mesmo acabando. Hoje já são mais de trinta anos de recortes e nada do urso panda acabar.

Pensando bem, não era só o urso panda que estava ameaçado de desaparecer desse mundo cruel. Virava e mexia lá estava a última ararinha azul pulando de galho em galho na telinha do Globo Repórter numa imagem meio desfocada mas jornalística. E o pobre do mico leão dourado, coitado? Desde menino ouço que ele está com os dias contados. E não é apenas o urso panda, a ararinha azul e o mico leão dourado os condenados ao  desaparecimento.

Últimas crônicas de Alberto Villas:

Só no Brasil tem o cervo do pantanal, o mono carvoeiro, o pica pau de cara amarela, a tartaruga de couro, o tamanduá bandeira e tantos outros. Por esse mundo de meu Deus tem bichos condenados a sumir que a gente nem conhece e nem mesmo faz a menor ideia de como são  as caras deles.

Já ouviu falar no tritão palmado, na boga portuguesa, no abutre do Egito ou no quebra ossos? Pois saiba que estão todos na lista dos bichos que correm risco de extinção.

Voltando a vaca fria, ou melhor ao urso panda, poucos sabem que ele pertence ao reino animália, da classe mammalia. Que é da ordem dos carnívoros, da família dos ursidae, do gênero Ailuropoda e da espécie A. Melanoleuca. Pouco importa. O que importa é que passei maus lençóis na Rua Sabará sozinho com meu filho aos prantos querendo saber o que fazer para salvar o urso panda, talvez o último exemplar, lá no início dos anos 80.

Não sei se hoje, homem feito, o Julião se lembra dessa história ou se está preocupado porque há mais de um ano aquela única ararinha azul da Terra não dá as caras no Globo Repórter. Hoje ele cria uns gatos lá em Minas Gerais, sei que cuida bem dos bichanos que não correm o menor risco de sumir do mapa.

Essa semana soube que apesar de ser meio devagar no quesito sexo, os ursos pandas sobreviveram. Existem mais de 2.500 espalhados por aí, na verdade, a maior parte deles na China. Passam o dia preguiçosamente comendo brotos de bambu e posando pra imprensa mundial. Soube que não há mais risco dele desaparecer pra sempre e que estão inclusive mais animadinhos em fazer sexo, reproduzindo numa boa.

Na verdade, o único urso panda que tenho certeza que desapareceu foi aquele do meu filho, o de pelúcia. Depois que o Julião cresceu nunca mais vi aquele bichinho preto e branco meio sujo, meio estropiado faltando o olho esquerdo e um pedaço da orelha direita.

Meu filho tinha pouco mais de cinco anos quando chegou da escola aos prantos. Meio gaguejando, meio soluçando ele entrou em casa com uma notícia para ele assustadora.

– O urso panda vai acabar!

Perplexo,  fui logo socorrê-lo, consolá-lo, enxugar suas lágrimas, consolar seu pranto.

– Calma filho, o urso panda não vai acabar!

Ele não acreditou muito na minha história e ainda choramingando  foi logo perguntado:

– O que nós dois podemos fazer para não deixar o urso panda acabar?

Pensando bem, eu não tinha a menor noção. Morávamos em Higienópolis a mais ou menos uns 17.599 quilômetros das montanhas de Daxiangling, lá na China, onde diziam estar os últimos poucos pandas do Planeta Terra. Na verdade eu ali na cozinha fritando bife e descascando cebolas e o meu filho com aquela cara de choro não podíamos fazer muita coisa para salvar o simpático bicho da extinção.

Ele levou a sério aquele recorte da revista Manchete que foi colado na parede da sala de aula na escola onde estudava, uma reportagem que anunciava em letras garrafais e vermelhas o fim dos ursos pandas.

O Julião tinha um de pelúcia já bem judiado que ganhara ainda pequenininho lá no nosso exílio em Paris.  Foi logo tratando de achá-lo no baú de brinquedos como quem diz “ao menos este aqui estará salvo para sempre”.

Desde essa época, nos idos de mil novecentos e oitenta e pouquinho, comecei a guardar todos os recortes de jornais e revistas que de tempos em tempos anunciavam ao mundo que o urso panda estava mesmo acabando. Hoje já são mais de trinta anos de recortes e nada do urso panda acabar.

Pensando bem, não era só o urso panda que estava ameaçado de desaparecer desse mundo cruel. Virava e mexia lá estava a última ararinha azul pulando de galho em galho na telinha do Globo Repórter numa imagem meio desfocada mas jornalística. E o pobre do mico leão dourado, coitado? Desde menino ouço que ele está com os dias contados. E não é apenas o urso panda, a ararinha azul e o mico leão dourado os condenados ao  desaparecimento.

Últimas crônicas de Alberto Villas:

Só no Brasil tem o cervo do pantanal, o mono carvoeiro, o pica pau de cara amarela, a tartaruga de couro, o tamanduá bandeira e tantos outros. Por esse mundo de meu Deus tem bichos condenados a sumir que a gente nem conhece e nem mesmo faz a menor ideia de como são  as caras deles.

Já ouviu falar no tritão palmado, na boga portuguesa, no abutre do Egito ou no quebra ossos? Pois saiba que estão todos na lista dos bichos que correm risco de extinção.

Voltando a vaca fria, ou melhor ao urso panda, poucos sabem que ele pertence ao reino animália, da classe mammalia. Que é da ordem dos carnívoros, da família dos ursidae, do gênero Ailuropoda e da espécie A. Melanoleuca. Pouco importa. O que importa é que passei maus lençóis na Rua Sabará sozinho com meu filho aos prantos querendo saber o que fazer para salvar o urso panda, talvez o último exemplar, lá no início dos anos 80.

Não sei se hoje, homem feito, o Julião se lembra dessa história ou se está preocupado porque há mais de um ano aquela única ararinha azul da Terra não dá as caras no Globo Repórter. Hoje ele cria uns gatos lá em Minas Gerais, sei que cuida bem dos bichanos que não correm o menor risco de sumir do mapa.

Essa semana soube que apesar de ser meio devagar no quesito sexo, os ursos pandas sobreviveram. Existem mais de 2.500 espalhados por aí, na verdade, a maior parte deles na China. Passam o dia preguiçosamente comendo brotos de bambu e posando pra imprensa mundial. Soube que não há mais risco dele desaparecer pra sempre e que estão inclusive mais animadinhos em fazer sexo, reproduzindo numa boa.

Na verdade, o único urso panda que tenho certeza que desapareceu foi aquele do meu filho, o de pelúcia. Depois que o Julião cresceu nunca mais vi aquele bichinho preto e branco meio sujo, meio estropiado faltando o olho esquerdo e um pedaço da orelha direita.

ENTENDA MAIS SOBRE: ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.