Por Alberto Villas
Tenho um vício! Ler entrevistas antigas. Outro dia levei um susto ao trombar com uma do sambista de breque Moreira da Silva ao jornal O Pasquim. Era final dos anos 1960 e a canção Travessia tocava sem parar nas rádios. Estava no hit parade, como dizíamos. Quando a turma do Pasquim perguntou ao bom e velho Morengueira o que ele achava de Milton Nascimento, foi curto e grosso.
– Tem de voltar pra enxada!
Adoro passar a mão numa revista bem antiga e dar uma espiada. Tem coisa mais divertida que ler a entrevista de um cientista publicada na Enciclopédia Bloch, a Superinteressante dos anos 1960, em que ele dizia que o último elefante da Terra desapareceria em janeiro do ano 2000?
Gosto também quando elas são reunidas em livro. A Arte da Entrevista, por exemplo, organizada pelo jornalista Fábio Altman e publicada pela Boitempo, reúne um punhado delas em quase 500 páginas. Vai de Mark Twain a Thomas Edison. De Ernest Hemingway a Getúlio Vargas. De Mao Tse-tung a Lula. Um primor.
A Editora Azougue lançou uma deliciosa coleção chamada Encontros. São livrinhos caprichados que reúnem entrevistas já publicadas em revistas e jornais em diversas épocas. Já devorei Manoel de Barros, Hélio Oiticica, Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Gil, Tom Zé e agora estou me deliciando com outro Tom, o Jobim. Uma grande viagem porque Jobim era um mestre em dar entrevistas.
Adoro quando o compositor de Chega de Saudade usa palavras que ninguém usa mais. Perguntado sobre o que acha da obra de Nelson Cavaquinho, ele disse:
– Sou ardente fã de Nelson Cavaquinho.
Fãs existem aos montões, mas ninguém mais diz que é fã ardente, não é mesmo? Para demonstrar o seu entusiasmo com a obra do cantor e compositor Jimmy Webb, Tom usa uma expressão que também já sumiu do mapa:
– Esse é fogo na jaca!
Em pleno 1967, Tom Jobim já estava preocupado com o avanço da tecnologia e a revolução que o mundo viria a passar algumas décadas depois. Em vários momentos ele cita o poderio do radinho de pilha. Sim, o simplório radinho de pilha. Tom, em tom assustado, diz que o mundo tinha virado uma loucura, isso numa época em que a internet nem engatinhava ainda.
“Hoje a notícia se espalha com uma velocidade assustadora. Em qualquer lugar que a gente vai tem alguém com um radinho de pilha ouvindo notícias”. Numa época em que não havia nenhum tipo de I – Ipod, Ipad, Iphone – o espanto de Tom era com o radinho de pilha, daqueles forrados com uma capa de couro e que funcionavam com as pilhas amarelinhas.
Tem coisa mais deliciosa que ler Tom Jobim dizendo que “esses meninos que apareceram agora” – John, Paul, Ringo, George – são ótimos? Tem coisa mais deliciosa ver que Tom tem de ser ajudado por um entrevistador para lembrar o nome de uma dupla que surgira na América – era assim que ele chamava os Estados Unidos – uns tais de Simon & Garfunkel? E quando ele diz que adora esses garotos da Califórnia, The Mamas & The Papas?
Em todas as entrevistas Tom deixa bem claro quem são suas paixões, além das mulheres. Carlos Drummond de Andrade, Villa-Lobos, Guerra Peixe, Radamés Gnatalli, Custódio Mesquita, sem contar os parceiros Newton Mendonça, Vinícius de Moraes, Chico Buarque e Edu Lobo.
É curioso ouvir de Tom que a melhor cerveja do mundo era fabricada em Minas Gerais. Ele não revela o nome. Será a saudosa Ouro Branco? Como é curioso ouvir de Tom que ele se considera um “pequeno burguês adaptado”, que a “máquina” está engolindo o homem, que Ipanema não tem mais praia e sim Volkswagens. Tom revela não ter medo da morte e que se um dia virasse nome de rua, gostaria que essa rua desse para o mar. Lembro sempre dessas palavras do maestro soberano toda vez que ouço a comissária de bordo anunciando lá nas nuvens:
– Dentro de alguns minutos pousaremos no aeroporto internacional Tom Jobim, na Cidade Maravilhosa.