Cultura

assine e leia

O que amar quer dizer?

Em duas obras lançadas agora no Brasil, Mathieu Lindon relembra dois amigos mortos em decorrência da Aids: Michel Foucault e Hervé Guibert

O que amar quer dizer?
O que amar quer dizer?
Espelhos. O escritor e crítico literário francês estabelece elos entre sua vida e a produção desses autores – Imagem: Martin Bureau/AFP
Apoie Siga-nos no

Em seus dois livros recentemente lançados no Brasil, O Que Amar Quer Dizer e Hervelino, o escritor e crítico literário francês Mathieu Lindon combina variados registros textuais – o ensaio, a autobiografia, a ficção – para relembrar dois amigos seus, falecidos décadas atrás em decorrência da Aids: Michel Foucault e Hervé Guibert, autores de obras marcantes como História da Sexualidade e Ao Amigo Que Não Me Salvou a Vida, respectivamente.

As obras foram publicadas com uma distância de dez anos: o livro sobre Foucault, O Que Amar Quer Dizer, é de 2011; o livro sobre Guibert, Hervelino, de 2021. Ambos estão marcados pela tentativa de Lindon – muito bem-sucedida, por sinal – de mostrar os elos entre sua própria vida e a produção criativa dos dois amigos. “A celebridade e a reputação de Michel certamente têm um impacto em meu afeto por ele”, escreve Lindon no primeiro livro, e continua: “Mas qual? Eu o amo de verdade”.

O que torna O Que Amar Quer ­Dizer ainda mais interessante é o fato de ­Lindon aproximar a figura de ­Foucault daquela de seu pai, Jerôme Lindon, fundador da Minuit, uma das editoras mais prestigiosas da França. O livro torna-se, a certo ponto, o relato de um confronto extremamente produtivo de modelos: entre o pai e o filósofo, o jovem Mathieu descobre o mundo, a literatura e as próprias capacidades. ­“Michel vai parar no centro do nosso enfrentamento. Meu pai e ele são as ­duas únicas pessoas dessa idade de quem sou íntimo.”

O Que Amar Quer Dizer. Mathieu Lindon. Tradução: Marília Garcia. Editora Nós (208 págs., 76 reais) – Compre na Amazon

Guibert, que já é um personagem no livro sobre Foucault, retorna em ­Hervelino para ocupar o centro do “palco da memória”. A relação descrita é bastante diversa: Lindon e ­Guibert têm rigorosamente a mesma idade (ambos nasceram em 1955), estreando juntos como escritores, antes dos 30 anos, no início da década de 1980.

“Aproveitar a vida: eu não poderia ter pedido mais, porém parecia que eu não sabia como fazer isso”, escreve ­Lindon em Hervelino. E continua: “Quando, no verão de 1978, no espaço de poucas semanas, conheci Gérard, Michel e ­Hervé, tive a sensação de que eles eram parentes para toda a vida e que me ajudariam a progredir nesse empreendimento, de ser um pouco feliz”.

Se a figura do pai serve de reagente à presença de Foucault, em ­Hervelino é a cidade de Roma que atua como ponto de fuga para a relação entre Guibert­ e Lindon. O foco principal do relato ­está nos anos que ambos passaram na ­capital italiana como residentes da Academia ­Francesa, na esplendorosa Villa Medici.

Hervelino. Mathieu Lindon. Tradução: Márcia Bechara. Editora Nós (152 págs., 76 reais) – Compre na Amazon

A convivência não se esgota na relação interpessoal, pois está disseminada também na descoberta de uma nova cidade e dos segredos de seu cotidiano. Essa ampliação do horizonte confere a Hervelino um bem-vindo deslocamento com relação à evocação nostálgica pura e simples.

O Que Amar Quer Dizer é, sem dúvida, o mais robusto e complexo dos dois projetos de Lindon, mas Hervelino traz uma surpresa muito interessante para o leitor: em seu terço final, apresenta as reproduções de todas as dedicatórias que Guibert escreveu a Lindon em seus livros, com comentários do amigo-memorialista.

Depois do relato pormenorizado da relação, encontramos esses documentos, essas imagens. E a caligrafia de ­Guibert surge, nesse contexto, como uma espécie de resíduo textual desse corpo que não existe mais, mas que ­repercute no presente, sobretudo ­quando Lindon se pergunta o que amar quer dizer. •


VITRINE

Por Ana Paula Sousa

Bem-Vindos à Livraria Hyunam-Dong (Intrínseca, 292 págs., 49,90 reais) é um exemplar do gênero apelidado de healing ­literature, ou literatura de cura, cujas tramas giram em torno dos livros e da ­busca por acolhimento. O romance de Hwang ­Bo-reum é um best seller na Coreia do Sul.

Filha de Paulo Freire, Madalena Freire viveu a experiência de alfabetização em Angicos e herdou os saberes e a devoção do pai à educação. Ela é autora de um livro-farol para educadores: A Paixão de Conhecer o Mundo (Paz e Terra, 328 págs.), de 1983, que ganhou uma edição comemorativa.

Paulo Sergio Duarte é um nome fundamental da crítica de arte do País. Do Mundo Sem Chão: Escritos Sobre Arte (Cobogó, 472 págs., 84 reais) reúne textos que foram marcantes em sua trajetória e funcionam, ao mesmo tempo, como um mosaico da produção contemporânea brasileira.

Publicado na edição n° 1293 de CartaCapital, em 17 de janeiro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O que amar quer dizer?’

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

10s